domingo, 2 de maio de 2010

De Marx ao Ecossocialismo - Michael Lowy

Esta reflexão, de Michael Lowy, tem como ponto de partida o fenômeno da racionalização, já analisada por Max Weber. Apresenta sua argumentação a partir de três aspectos do processo de racionalização que caracteriza as sociedades capitalistas modernas, sugere que esta análise também cabe ao modelo de socialismo adotado pelo Leste Europeu.
O primeiro aspecto esta relacionado com a racionalidade como finalidade – uso de meios racionais para alcançar objetivos que nada têm de racional e, que tem sua expressão institucionalizada aparece na forma ideal-típica da burocracia, ou da racionalidade instrumental – conceito Frankfurtiano para definir as formas mais acentuadas das irracionalidades aplicadas pelas administração racional burocrática, como exemplo cita o genocídio.
Fora dos extremos da racionalização existe a “lógica do funcionamento 'normal' da economia capitalista e das instituições burocráticas” que combinam a “racionalidade parcial com a irracionalidade global”, assinalada por Ernest Mandel.
O segundo ponto é a separação entre o econômico, o social, o político e o cultural o que gera uma “diferenciação e autonomização”. A economia de mercado 'encaixada' na sociedade, como um sistema 'auto-regulado' e que 'escapa de qualquer controle social, moral ou político'. No qual o “espírito de cálculo racional”, ou seja, a tendência da quantificação, aparece como forma determiante. Os aspectos qualitativos, éticos, sociais ou naturais são desconsiderados pelos valores quantitativos que segundo Michael Lowy é a expressão da “dominação total do valor de troca das mercadorias e na monetarização das relações sociais”.
O autor apresenta o ponto de vista de A. Mitzman que segue a “lógica dessa racionalização mutilada” (…) e aponta que qualquer critério que seja incompatível com a perseguição do lucro máximo (meio ambiente, bem estar do trabalhador, futuro humano), aparece como 'freio ao progresso' ou 'qualificado como sentimental', ambos oposto ao racionalismo.
O terceiro aspecto, apontado por Lowy, são os defensores deste “processo racional de perseguição do lucro máximo” que estão representados nas agências internacionais como Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial, que impõem esse processo a todos os países do planeta, causando o efeito de globalização de um modelo de dominação pelo mercado.
Entretanto, como ressalta Michael Lowy, este modelo de civilização capitalista /industrial já recebia criticas dos românticos da segunda metade do século XVIII. Estes protestaram contra a “quantificação, a mecanização e o desencantamento do mundo em nome de valores culturais, sociais, éticos” do pré capitalismo.
Cita a obra Tempos difíceis de Cherles Dickens, na qual descreve uma cidade industrial, degradada, poluída, e tem a natureza totalmente apartada.
As altas chaminés, 'lançando no ar seus turbilhões envenenados', escondiam o céu e o sol (…). Os que tinham 'sede de um pouco de ar puro', que desejavam ver uma paisagem verdejante, árvores, pássaros, a abóbada brilhante do céu azul, eram obrigados a deslocar-se alguns quilômetros por estradas de ferro e passear nos campos.” (Michael Lowy)
Michael Lowy chama atenção para o fato de que a visão romântica no decorrer da história aproximava-se da ideia de “paraíso perdido” e nas comunidades orgânicas pré-modernas assumiu formas, ora passadistas e retrógradas, ora utópicas e revolucionárias”. Para o autor isso não significava uma volta ao passado, mas sim um “desvio do passado em direção ao futuro”. Cita Pierre Leroux, William Morris, Herbert Marcuse, como percussores da ideia de que a “utopia futura permite reencontrar a comunidade perdida, mas sob uma nova forma que integra as conquistas da modernidade: liberdade, igualdade, fraternidade e democracia.”
Para Lowy, existe algumas correntes socialistas e ecológicas que são herdeiras da crítica romântica, pois tem seus objetivos pautados na “superação da racionalidade instrumental, da autonomização da economia, do reino da quantificação, da produção como objetivo em si, da ditadura do dinheiro, da redução do universo social ao cálculo das margens de rentabilidade e à necessidade da acumulação de capital”. Estas correntes, afirma Lowy, reivindicam valores qualitativos, A. Mitznam faz parte desta corrente e faz a mesma observação.
Desta forma temos um conjunto de valores que se opõem a racionalização instrumental do mundo: valor de uso, satisfação das necessidades, salva guarda da natureza/equilíbrio ecológico, harmonia social, solidariedade, respeito pela natureza e seus ciclos de vida. Outro ponto importante nesta concepção é a 'não separação' das esferas da vida, ou seja, a superação da diferenciação e autonomização da economia, a adoção de uma visão sistêmica.
Entretanto, isso não faz com que o 'pensamento verde' e o 'pensamento vermelho' sejam os mesmos, Lowy apresenta a existência de divergências de fundo, que diferenciam “marxistas e ecologistas”. Segundo o autor, os ecologistas acusam Marx e Engels de produtivismo, e Lowy se debruça sobre o tema, e propõe uma discussão sobre o posicionamento de Marx e Engels em relação a lógica capitalista de produção e o desenvolvimento das forças produtivas.
Para Lowy o desenvolvimento das forças produtiva como vetor do progresso parece como uma postura pouco crítica em relação a civilização industrial. Visão que está, segundo Lowy, no “prefácio da Contribuição à Crítica da economia política (1859), obra marcada pelo evolucionismo, filosofia do progresso e pelo cientificismo.
Mas esta não é a única leitura, Lowy demonstra que “Marx e Engels deixaram um certo número de textos que apresentam uma leitura mais crítica das 'forças produtivas”. Em a Ideologia Alemã encontra-se a ideia de que no desenvolvimento das forças produtivas chega um momento em que as forças produtivas “podem ser nefastos no âmbito das relações existentes, o que as transformam em forças destruidoras, deixando de ser produtivas. Mas esta afirmação não, necessariamente, esteja relacionada a destruição da natureza. Lowy, ressalta que nos poucos textos a questão da natureza aparece em relação a agricultura. Aponta que a produção capitalista desenvolve a técnica e a combinação do processo de produção social ao mesmo tempo que esgota as fontes da riqueza: a terra e o trabalhador. Lowy tenta demonstrar que nos escritos de Marx aparece um preocupação com o esgotamento das fontes de energia.
Na análise de Lowy, “Marx e Engels carecem de uma perspectiva ecológica de conjunto”, ressalta que a concepção do desenvolvimento ilimitado das forças produtiva, mesmo quando eliminada as relações injustas de produção atualmente não é aceitável. Conclui essa dicotomia com uma proposta feita por Daniel Bensaïd sobre a obra de Marx, na qual se propõe uma análise das contradição entre “o credo produtivista de alguns textos e a intuição de que o progresso pode ser fonte de destruição irreversível do meio ambiente natural”.
Desta forma, Michael Lowy, entende que a questão ecológica é o grande desafio que o pensamento marxista tem a enfrentar. Portanto, afirma que é preciso uma revisão crítica, por parte dos marxistas, das concepções tradicionais sobre as forças produtivas, da ideologia do progresso e do “paradigma tecnológico da civilização industrial moderna”.
Para mostrar que essa crítica foi, de alguma forma, incorporada por alguns marxistas do século XX apresenta o ponto de vista de alguns autores. Walter Benjamin propõe uma nova técnica com o controle da relação entre a natureza e a humanidade. Entretanto, Michael Lowy, considera que pouco foi modificado neste campo, e na atualidade poucas reflexões surgiram. Uma crítica feita por James O'Connor, ecologista e marxista-polanyista, acrescenta uma segunda contradição entre as forças produtivas e as condições de produção: os trabalhadores, o espaço urbano e a natureza. Segundo Lowy, O'Connor coloca em questão a natureza, ou seja, a destruição do ambiente natural. Outro marxista, E. Bloch, desenvolve sua crítica a parir da obra Ideologia Alemã ao chamar atenção para a necessidade de entendimento da 'fórmula' que produz a transformação das forças produtivas em forças destruidoras em vez do “esquema bem conhecido da contradição entre forças produtivas e relações de produção”.
Lowy acredita que desta forma é possível dar uma nova compreensão ao fundamento do desenvolvimento econômico, tecnológico, científico, ou seja elaborar um conceito de progresso diferenciado”. Mas lembra que, de certa forma, o movimento operário europeu sempre foi muito marcado pela ideologia do progresso e pelo produtivismo, e em muito momentos defenderam a industria automobilística e a energia nuclear.
O autor menciona que a ecologia veio a contribuir com a tomada de consciência sobre os problemas que ameaçam o planeta, e em consequência as formas de produção e consumo capitalista. Ainda aponta que as criticas da ecologia europeia são insuficientes, e apenas conduz a ideia de um “capitalismo limpo”, e apresenta reformas para controlar excessos.
O interessante é que Michael Lowy, faz um caminho que aponta que esta pequena abordagem da questão ambiental serve para subsidiar a ideia que o capitalismo (limpo) e socialismo, são variantes de uma mesma vertente. Ou seja, o argumento que proclama o fim da ideologia, com tudo isso a 'nova onda” seria “os verdes”, o “novo paradigma que forneceria uma resposta a todos os problemas econômico e sociais”.
Sendo assim o ecossocialismo se desenvolveu no final do século XIX e início do XX e vários autores buscaram uma crítica ao marxismo das forças produtivas. Essa corrente de pensadores está presente nos partidos verde, no movimento verde-vermelho, alguns setores das esquerda clássica, o que demostra que não existe homogeneidade. Entretanto, de alguma forma, “representa na esfera ecológica a tendência mais avançada e mais sensível aos interesses dos trabalhadores e dos povos do Sul”. Esta corrente percebe a impossibilidade de um “desenvolvimento sustentado” nos moldes da economia capitalista de mercado.
Para Lowy existem dois argumentos que baseia o pensamento ecossocialista:
1- o modo de produção e de consumo atual dos países capitalistas mais avançados é impulsionador da crise ecológica, um sistema fundado na manutenção e agravamento da desigualdade gigante entre o Norte e o Sul. Existe a intensificação crescente dos problemas ecológicos e de novas áreas, pela exportação da poluição dos países do Norte.
2- a continuação do progresso e a expansão da civilização baseada na economia de mercado ameça a sobrevivência da espécie humana. Por tanto, esse pensamento baseado no cálculo das perdas e lucros é contraditória a uma racionalidade que leva em consideração questões qualitativas.
Para resolver a dicotomia verde-vermelho propõe um ajuste, que vai contra o fetichismo da mercadoria e a autonomização da economia. Coloca que o desafio do futuro, para o pensamento ecossocialista é a “aplicação de uma 'economia moral' na forma definida por E. P. Thompson, que propunha uma “política econômica baseada em critérios não-monetários e extra -econômicos, a recolocação da economia nos âmbitos ecológico, social e político.
Michael Lowy considera que esta recolocação só é possível com a reorientação tecnológica que substitua as atuais fontes de energia, por fontes não poluentes e renováveis. propõe o controle dos meios de produção e principalmente das decisões de investimento e desenvolvimento tecnológico.
Desta forma, os ecossocialistas, apontam para a necessidade de uma reorganização do modo de produção e consumo, procurando satisfazer as reais necessidades da população e a preservação do meio ambiente. Lowy define isto como uma “ economia de transição para o socialismo”. O que esperam os ecossocialistas é uma transição que conduza a “um modo de vida alternativo, a uma nova civilização, para além do reino do dinheiro, dos hábitos de consumo.
Por fim, Lowy, questiona se tudo isso não passa de uma utopia, mas ressalta que a utopia é necessária à mudança social, quando esta está baseada nas “contradições da realidade e nos movimentos sociais e reais”. O ecossocialismo propõe uma aliança entre os pensamento marxista e ecológico.
Na Europa, segundo Lowy, esta associação de correntes de penamento poderia se organizar como espaço estratégico, desde que alguns pontos que as separam sejam derrubados. A ecologia precisa deixar de lado o naturalismo anti-humanista e a pretensão de ocupar o lugar da critica a economia política. Por outro lado, o marxismo, assuma a crítica ao produtivismo percebendo que a problemática é a transformação das forças potencialmente produtivas em forças efetivamente destruidoras, em vez da dicotomia forças produtivas versus relações de produção.
Este pensamento revolucionário de um “socialismo verde” possibilita ecologizar as relações e propor reformas. O que dá subsídio ao pensamento ecossocialista é a visão sistêmica da sociedade que coloca todos os aspectos – econômico, social, ecológico, cultural- no mesmo nível de importância e interferência.
Portanto a existência de uma convergência entre estas duas correntes vai na direção de uma “nova civilização”, respeitadora da natureza e mais humana. Para isso Lowy, conclama todos os movimentos sociais que lutam pela emancipação se associem e adotem conceitos ecológicos.
A forma que a questão vem sendo colocada é possível afirmar que a visão romântica ainda prevalesse como a crítica a racionalidade instrumental do sistema capitalista.

sábado, 5 de dezembro de 2009

A diferença da Igualdade

A dinâmica da economia solidária em quatro cidades do Mercosul (fragmento)
Antônio Cruz

O texto de Antônio Cruz procurou “investigar as origens históricas e a dinâmica sócio-econômica da chamada economia solidária”. Além deste, outros objetivos perpassaram a pesquisa: o esboço de uma 'história comparada' e a trajetória do movimento cooperativo em cada cidade investigada como parte do contexto de “surgimento dos processos e fenômenos que hoje são denominados economia solidária”.
O autor apresenta a ideia que tem sobre a gênese da economia solidária, procurando identificá-la em quarto cidades do Mercosul - Brasil, Argentina e Uruguai.
Primeiramente abordas as questões relacionadas a emergência da economia solidária e como os fundamentos do neoliberalismo estão relacionados a esta questão. Os planos de controle do plano economico e a luta contra a inflação. Todos os países da América Latina estavam passando por um mesmo movimento. A partir da década de 1990 um novo imperativo, ditado pelo Consenso de Washington e Fundo Monetário Internacional passou a impulsionar o controle da economia.
A proposta posta no Consenso foi implementar uma política de reestruturação que fosse de longo alcance. E para fazer parte da ação do FMI os países deveriam assumir o compromisso e executar as exigências dos organismos internacionais. Todas as medidas adotadas colocaram em prática “um conjunto de reformas econômicas que poria abaixo (… ) toda uma estrutura reguladora construídas nas décadas anteriores – flexibilização da legislação trabalhista, diminuição de direitos e privatização de serviços públicos”.
Antônio Cruz expõem a opinião de Belluzzo e Almeida sobre o Plano Real. Para estes o Plano Real foi mais do que um método de estabilização economia, este representou um “projeto liberal que supõe a convergência relativamente rápida das estruturas produtivas e da produtividade brasileira na direção de padrões 'competitivos e modernos' das economias avançadas”. (Beluzzo e Almeida apud. Cruz, p. 128).
Em seguida, Antônio Cruz expõem os resultados deste plano econômico e como foram rapidamente sentidos: redução da inflação, elevação do poder de compra dos salários, aumento da demanda e da oferta, aceleração do crescimento econômico, ajustes macroeconômicos, reestruturação produtiva, aumento do desemprego e endividamento público.
Estes ajustes atingiram as populações mais pobres e em situação de vulnerabilidade, pois para garantir o sucesso do plano houve a diminuição dos investimento em proteção social e uma flexibilização das relações de trabalho causando a precarização das relações de trabalho e o aumento da pauperização.
Na Argentina e em outros países da América Latina houve a ilusão de um desenvolvimento maior, mais intenso. Entretanto com o passar do tempo foi percebido os reais efeitos econômicos e sociais. Para demostrar como foi pequeno o crescimento econômico, Antônio Cruz , apresenta uma comparação entre as décadas de 1950-1980 e 1981-2004.
Antônio Cruz aponta que a reestruturação econômica modificou a estrutura do mercado de trabalho causando consequências nas formas organizativa e reivindicatória dos trabalhadores. Todas as mudanças adotadas foram na busca de atingir uma maior 'competitividade das empresas'. Ações como investimento em capital fixo, qualificação e diminuição dos recursos humanos, flexibilização do trabalho e das formas de contrato foram normas básicas que todos deveriam seguir. O incentivo a competição entre os trabalhadores é acirrada, e as relações de trabalho se tornam mais fragilizadas. Os trabalhadores perdem as estruturas que formam sua identidade, conhecem o desemprego, a flexibilização da contratação, a automação (formas toyotizadas de produção). O autor apresenta uma série de dados que demonstra o aumento do desemprego.
A luta e resistência dos trabalhadores se desloca da mesma forma que ocorre uma mudança na estrutura do emprego. O sindicato vai perdendo forças de mobilização, devido o aumento do desemprego. Os trabalhadores necessitando sobreviver reinventam formas de trabalho, buscam formas alternativas.
Antônio Cruz aponta que a primeira solução para o desemprego são as formas assistencialista ou clientelistas, nos países estudados foram implantados programas compensatórios e de redistribuição de renda. Ressalta que além das ações ligada ao governo essa prática é desenvolvida por associações, ONG's, igrejas, com programas de atendimento à população, oferecendo acessoa a educação, cultura, formação profissional, inserção digital, entre outras 'prestações de serviço'.
Uma segunda tentativa de solucionar as questões de desemprego (econômicas) são as ações violentas. A 'criminalidade' aumenta: roubos, assaltos, venda de drogas passam a ser formas de 'ganho financeiro'.
Uma terceira forma apontada por CRUZ é a economia solidária, na qual tem governos, empresários, mídia e terceiro setor apoiando.
O autor em sua pesquisa mostra que as iniciativas de economia solidária tem em sua formação e consolidação o resultado da ação consciente de resistência de “lideranças oriundas dos movimentos sociais dos ano 80”. Esta lideranças trazem valores sociais defendidos anteriormente e postos em voga pelas propostas de organização destes empreendimentos.
Desta forma, o autor coloca a economia solidária como uma consequência de um sistema excludente. Como uma solução para a reestruturação econômica e ao mesmo tempo um espaço para que os valores da luta dos trabalhadores voltem à cena, mas desta vez numa nova organização que procura fortalecer a democracia participativa e a justiça social através da igualdade econômica.
Por último, o autor, aborda questões relacionadas às formas históricas do cooperativismo e sua articulação com a economia solidária.
As variadas formas de cooperativismo estão pautadas na ação dos sujeitos coletivos, mas esta ação “não depende apenas do contexto histórico que se encontram (…), mas dependem da leitura que este sujeitos coletivos fazem acerca da realidade que os cerca” (137). Desta forma, Cruz, afirma que a economia solidária acontece “num dado contexto e numa dada leitura deste contexto”. Os atores deste fazer buscam um outra forma de solucionar as questões econômicas e estão orientados por uma ética baseada nas lutas sociais. Entretanto nem todas as organizações cooperativas são formadas a partir de conjunto de valores ligados as lutas sociais ou aos 'princípios utópicos do cooperativismo original, ligado ao socialismo e ao movimento operário'. Muitas cooperativas se corrompem em seus princípios, atendendo a demanda da reestruturação produtiva e adotam os procedimentos do empreendedorismo capitalista.
Antônio Cruz coloca a economia solidária no mesmo patamar que os novos movimentos sociais, com sua critica às velhas estruturas de ação e organização social e política. Sendo assim muitos movimentos de ação econômica (assentamentos e fábricas recuperadas) se recusaram, por muito tempo, a usar a estrutura jurídica de cooperativa, por não acreditar que esta forma seja distina das empresas capitalistas. A economia solidária é uma forma de crítica ao cooperativismo tradicional. O autor ressalta que existe uma dificuldade de definir de forma clara as organizações tradicionais e as de economia solidária, pois o discurso é sempre na direção democrática e participativa, mas a prática nem sempre.
Segundo o autor, algumas cooperativas tradicionais são mais democrática, participativas e próximas ao princípios autogestionários do que novos empreendimentos, formados na era neoliberal, que servem a outros princípios e valores. Este deslocamento de ideais foi para atender uma necessidade das cooperativas de incorporar mão-de-obra assalariada e manter de forma permanente o mesmo grupo no controle. A partir da década de 1990 abre uma “brecha legal” para que diversas cooperativas, com objetivo único de oferta de trabalho precarizado se constituíssem como agências de oferta de mão-de-obra.
Portanto o autor define três formas básicas de organização cooperativa, sendo cada qual distinta uma das outras: cooperativas empresariais, cooperativas precarizadoras e cooperativas autogestionárias. Entretanto, todas elas estão sob a mesma figura jurídica que as entendem como uma coisa só.
Ainda dentro da perspectiva histórica Antônio Cruz procurou reconstituir algumas práticas e por sobre elas o olhar da produção coletivizada. Afirma que ao longo do século XIX formaram-se as primeiras comunidade agrícolas cooperadas, anteriormente a isso, ainda no período da colonização, as cidades jesuíticas – as Missões, se aproximavam da ideia de sociedades cooperativas.
No Brasil as primeiras comunidades cooperadas tiveram inspiração em Charles Fourier e em sua maioria ligadas aos grupos de imigrantes europeus. Com o passar do tempo cooperativas de crédito foram organizadas e com isso editadas as primeiras leis que passam a reger a associação cooperativista (1903 – 1907 – 1932). Durante esse período as cooperativa surgiram sem articulação política ou econômica e com forte atuação agrícola, uma forma de ações que garantissem a possibilidade da produção (financiamento, produção e comercialização).
A partir de 1930 com o processo de burocratização do Estado é estabelecido um arcabouço legal para atender a demanda das sociedades cooperativas. O Decreto lei 5.764/71 normatiza o sistema operacional das cooperativas, mas mantém a intervenção estatal sobre as mesmas, e estabeleceu o número mínimo de vinte associados.
O autor ressalta que na atualidade existe uma luta para modificar algumas das condições para a formação de sociedades cooperadas. O Código Civil com nova vigência, permite associações com número menor que 20, entretanto somente algumas juntas comerciais aceitam o registro.
Na Argentina as comunidades cooperativas surgem também no século XIX e na primeira metade do século XX (1922) é criada a primeira federação de cooperativas agropecuárias. Também houve iniciativas urbanas voltadas para cooperativas de consumo e crédito e algumas localidades criaram serviço para fornecimento de energia elétrica, telefonia, água, etc. devido a insuficiência do Estado em oferecer serviços públicos. A legislação sobre o tema aparece no Código do Comércio (1889) e uma legislação específica em 1926, baseado nos princípios de Rochdale. Em 1973 ocorre uma mudança na legislação e desta vez representantes do movimento cooperativo participam da elaboração. O número mínimo de associado varia entre 10 e 7, e tem em sua base a prestação de serviços. Isso aproxima as sociedade cooperativas argentinas com os princípios do cooperativismo internacional. Posteriormente houve o fortalecimento de cooperativas de produção e trabalho. O cooperativismo na Argentina teve grande desenvolvimento e se fortaleceu em variados ramos das atividades econômicas.
No Uruguai os primeiros registros de sociedade cooperativas são do final do século XIX, e eram “organizações de consumo de extração operária” (147) e também associações de crédito mútuo. A legislação específica sobre o tema aparece no início do século XX (1912) e regulava as associações de crédito e fomento rural. Outras iniciativas surgem no primeira metade do século XX, inclusive a criação do Instituto Cooperativo Rural e o regimento jurídico das sociedades cooperativas. O governo em 1935 reconhece a sociedade cooperativa de produtores de leite e a regulamenta por “lei estatal” que lhe garantia créditos do governo, eleição democrática da direção e um síndico nomeado pelo Banco de la República que fiscalizava a atuação da diretoria.
Antônio Cruz ressalta que com esta lei o Estado instituiu o monopólio do beneficiamento e distribuição de leite através de uma cooperativa que estava sob fiscalização do Estado. O autor lembra que as leis que beneficiam a ação cooperativa (trabalho associado e construção de moradias) são criadas “no período de estagnação econômica do país, nos anos 60, e quando a política uruguaia começava a ser polarizada pela entrada da esquerda no cenário eleitoral e pela radicalização dos movimentos sociais” (149). O movimento cooperativo uruguaio esta ligado a duas vertentes: movimento associativo classistas e o papel desenvolvido pelo Estado.
Os diferentes países apresentam índices bastante distintos sobre atividade econômica associativa solidária ou não. O que é possível verificar é que a formação cultural e econômica destes países influencia a existência maior ou menor de atividades cooperativas.
A economia solidária e sua articulação com o cooperativismo é algo a ser examinado com um olhar atento. Para Cruz o fato do empreendimento ter um registo de cooperativa “não indica alterações significativas das relações sociais de produção, da relação de trabalho, da distribuição de renda, da eficiência e da produtividade” (151). Entretanto pode-se fazer algumas observações acerca da economia solidária.
Antônio Cruz em sua análise demostra que as cooperativas agrárias e as de crédito são nas quais os 'espírito' empresarial (capitalista) predomina. As cooperativas de produção e trabalho associado apresentam maior precarização do trabalho. As cooperativas de consumo e habitação se aproximam das vertentes mutualista , na qual, a lógica de beneficiamento individual. Ainda ressalta que na maioria delas a participação efetiva na gestão das cooperativas é miníma.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Os limites e possibilidades de processos de autogestão

Na história da revolução capitalista o trabalhador que detinha a posse sobre seu trabalho vai gradualmente perdendo seu saber e tornando-se um trabalhador desqualificado. Num primeiro momento houve uma resistência às novas forma de produção baseadas nas maquinofatura. Entretanto com o passar do tempo essa luta assume novos contornos e passa a ser a luta pela “construção de um novo mundo à base das novas forças produtivas mas em que a cooperação e a igualdade tomem o lugar da competição e da exploração” (Singer p.31), este é o cerne da luta socialista.

Paralelamente a essa luta de resistência às formas capitalista de produção foi correndo a busca, por parte dos trabalhadores, por amparo institucional do Estado. Num primeiro momento este negou os direitos aos trabalhadores e apoiou o desenvolvimento das forças produtivas capitalistas, para somente após muita luta e resistência elaborar alguma legislação trabalhista e reconhecer a legitimidade da organização sindical e da realização de atos grevistas.

Um momento importante desta luta por direitos foi o movimento Cartista que teve como objetivo conseguir poder político para os operários numa tentativa de conquista do poder político democrático. Os trabalhadores passaram a ser organizar e revindicar direitos sociais e políticos, como o direito ao sufrágio universal. Para Singer este é a maior conquista socialista que o movimento dos trabalhadores conseguiu.

Durante os momentos de resistência da classe trabalhadora foram várias as vezes que a autogestão apareceu como forma de manter os postos de trabalho, sejam estes os tradicionais empregos ou mesmo novas fomas de organização social – co-operative. Entretanto apenas em poucos momentos a classe trabalhadora conseguiu manter processos de autogestão como a negação ao sistema capitalista. A experiência da Comuna de Paris foi uma das tentativas de organização de uma nova organização social pela tomada de poder. E a guerra civil espanhola ficou entre uma luta contra o fascismo e algumas expressões anticapitalista, que foram suplantadas. As primeiras experiências de 'comunidades comunitárias1' autogestionárias foram possíveis por serem financiadas pelo capital de alguns benfeitores2.

Neste estágio da história a luta já se dava por conseguir melhores condições de vida e trabalho, pois a ideia de resistência ao capitalismo industrial já havia se desfeito.

Os sindicatos se aproximam das ideia de Robert Owen, ocorrendo uma mudança ideológica. Estes passaram a “desenvolver um projeto de sociedade em que seus interesses pudessem ser realizados através dos aproveitamentos das forças produtivas desencadeadas pela máquinas e pelo motores.” (Singer, p.38). Dentro deste contexto de garantia de qualidade de vida as cooperativas aparecem como “reações defensivas de trabalhadores”, e neste caso eram as cooperativas de consumo, que garantiam acesso a bens de primeira necessidade, e ou para baratear processos de manufatura de cereais.

Estavam sempre voltadas para o abastecimento de seus sócios, uma forma de minimizar os males causados pela industrialização, que por um lado aumenta a quantidade de bens produzidos e por outro do aumento da perda do trabalho. Singer aponta as cooperativas como desdobramento dos trade clubs, pois eram consideradas sociedades mutualistas. Estes trabalhadores se organizavam em sociedades para formação de fundos, um tipo de seguridade para possíveis emergências (doenças e óbitos). Singer ressalta a existência da cooperativa formada por alfaiates de Birmingham (1777), pois esta não tinha o caráter de abastecimento de sócios. Talvez esta seja a primeira cooperativa de produção destinada a abastecer o mercado, e desta forma se colocar como uma nova forma de organização social do trabalho, procurando competir com as empresas capitalistas.

O legado destas experiências foram as iniciativas posteriores dos sindicatos que buscaram organizar cooperativas em base owenista, para minimizar os males causados pela 'sociedade capitalista competitiva'. Entretanto todos os idealizadores destas cooperativas estavam “na busca de uma nova ordem social” baseadas na fraternidade humana.

Num segundo momento a autogestão foi usada como forma de luta e revindicação pelas condições de vida e trabalho. Mas normalmente quando a situação se normaliza ocorre um retrocesso e a desistência da autogestão, ou até mesmo a impossibilidade de se manterem frente as investidas capitalistas. Talvez isso ocorra pela própria cultura de submissão, que sempre esteve presente nas classes pobres (não especializadas) e a necessidade imediata de prover o sustento.

O caso dos trabalhadores da LIP Co. é um exemplo clássico de trabalhadores que assumem a fábrica como resposta a todo um processo de modernização capitalista.

Os Lips assumem a produção da fábrica, essa escolha não era uma crítica ao atual modelo de produção, os trabalhadores revindicavam formas para a garantia dos salários. Se organizam para produzir e vender para que fosse possível o pagamento dos salários” (Os Lips).

Singer define que as instituições anticapitalista são 'sementes socialistas plantadas no poros do capitalismo', e que por todo tempo procuram brechas do sistema para se instalarem. A formação de cooperativas de consumo e de produção são formas de preencher lacunas deixadas pelo capitalismo. É a resposta para a relação que as empresas capitalistas desenvolvem com seus clientes, pois só buscam o lucro e não a satisfação e bem estar daquele que usufrui do produto adquirido. Desta forma os trabalhadores ao organizarem nesta forma de distribuição de produtos se protegem da exploração do sistema de produção e consumo.

Entretanto muitas empresas tornam-se cooperativas devido falências e desistência de seus proprietários. Esta cooperativas com o tempo conseguem se reorganizar, mas precisam de apoio e financiamento, como qualquer outra empresa capitalista.

Entretanto a possibilidade da existência das formas autogestionárias sempre foram difíceis devido a constante pressão do capitalismo. O uso de máquinas e a constante revolução tecnológica, faz com que a produção dependa de grandes investimentos, o que esse pequenos grupos não são capazes de manter. Como também os custo de produção são diluídos na cadeia produtiva e na grande quantidade o que também não é possível a pequenos grupos.

Além do mais, faz-se necessário a organização de um mercado consumidor dos produtos destas organizações cooperativas, para que estas tenham sustentabilidade. Este mercado precisa ser mais amplo do que os sócios. Não pode ser apenas para abastecimento dos sócios, ficando a cooperativa dependente de um grupo específico. Para que uma parte dos tralhadores se mantenham de forma autônoma, produzindo e consumindo, sem a presença do patrão é necessário que outra parte dos trabalhadores estejam trabalhando para o capitalista, mantendo fonte de renda para consumo do excedente da produção cooperativista.

As vezes estas cooperativas funcionam por anos, mas com o tempo perdem sua capacidade frente as transformações capitalistas e também por perderem seus sócios. Por isso o desenvolvimento da educação dos sócios nos princípios do cooperativismo é um investimento para que as futuras gerações mantenha o projeto. Uma educação cooperativista é muito importante para manter este legado.

As cooperativas fazem parte do movimento operário de confronto e adaptação ao capitalismo, a classe trabalhadora vai a todo tempo procurando formas de resistência ao sistema capitalista, e em suas brechas cria formas não capitalistas de relação de trabalho.

Uma exemplo interessante deste movimento são as experiências de organização de armazéns coletivos para distribuição da produção das cooperativas operárias, resposta às demissões em massa de trabalhadores, que se organizam em cooperativas para atuarem no mesmo ramo do patrão, um movimento de resistência.


1New Harmony, Ralahine Co-operative Community, Queenswood

2Os sindicatos organizavam caixas para financiamento deste projetos, que não eram sustentáveis por si próprios. E também existiam pessoas que matinham estas “aldeias comunitárias”: Abranham Combe, John Scott Vandaleur, Robert Owen.


SINGER. Paul. Uma utopia militante. - Parte III – A revolução social socialista.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Autogestão utopia revolucionária?

Muitas vezes os debates entorno da autogestão estão ligados a processos de trabalho já existentes, ou a trabalhadores que há tempos estão inseridos nesta relação. Para estes a coisa tá lá, no dia a dia .... esta diante de cada um.

E quando tratamos de uma população que não se insere no tal 'mercado de trabalho', que sempre viveu de bicos, pequenos trabalhos, informalidades... ou seja que não tem conhecimento sobre os abusos das relações de trabalho capitalista, e não se sentem classe..... não de identificam como trabalhadores - já que para ser preciso de emprego!

Acompanho um grupo de mulheres a um ano e não consigo ver nelas (como um todo ) um sentimento de coletividade, não se reconhecem como na mesma condição - trabalhadoras e mulheres sem liberdade! Concorrem entre elas, formam sub-grupos, excluem algumas... coisas humanas.

Concordo com Paul Singer que afirma que somente período de grande opressão é o motivador de coesões. As pessoas não andam com essa consciência sobre os processos de dominação do capital. Pelo contrário, ainda vêem nele a possibilidade de ascensão, de consumo e de maior qualidade de vida. O ser humano só é inclinado a liberdade se for criado para isso... se não será submisso por todo tempo.

Talvez grupos de trabalhadores (que estão inserido no processo) consigam adquirir a crítica ao sistema capitalista, pois esse é opressor. Mas aqueles que estão excluídos das 'beneficies' do capital e de seu poder de compra, quererem se inserir.

Acredito que a autogestão seja o grande desafio da transformação da sociedade. Quando conseguirmos romper coma idéia de que a hierarquia é natural talvez possamos estar a um passo do 'paraíso'. (rs)

A possibilidade de socialização dos meios de produção abre espaço para socialização de outras esferas da vida.

As formas cooperativas de trabalho podem oferecer mais do que um salário. É a conquista da existência, existir como ser humano na sua forma mais filosófica, e não como uma mera ferramenta produtiva. Porque é essa existência que faz toda a diferença. O espaço coletivo é um espaço de aprendizagem e descobrimento de uma nova forma de relação social, que vai se opondo ao sistema dominante.

A questão de curtir cultura é também relativo. Qual cultura, a minha, a sua ou a de um modelo dominante. Será que ir ao cinema, comprar revista e livros, ir a teatro são as únicas formas de consumir cultura? Será que uma biblioteca coletiva não proporciona acesso a cultura, será que um cine clube não proporciona a cultura? Será que uma roda de leitura, um sarau, uma roda de música.... sem falar que a cultura pode ser reinventada a todo tempo e isso é que faz a diferença, pois quando reinvento a cultura reinvento a vida.
Sobre inclusão social – não acho que a Ecosol tenha como objetivo final a inclusão de pessoas num sistema existente, acredito que ela quer transformar o sistema existente.

A organização cooperada é a coisa mais difícil de conseguir numa sociedade hierarquizada, egoísta e individualizada. Mas somente a prática diária, a dificuldade de colocar a produção (seja ela qual for) no mercado e a sua superação é que criará espaços para uma sociedade socialista, que rompa com a hierarquia, egoísmo e com a ideia que basta 'eu' para tudo acontecer.... é uma luta e uma conquista diária.... Paul Singer ( Uma utopia militante ) se refere a implantes socialista... achei isso bem interessante.

Prof. Felipe Luiz Gomes e Silva pediu para que todos os participantes definissem o que significava autogestão para Maurício Tragtenberg.

Fiz a seguinte definição:

Autogestão para Maurício Tragtenberg se configura quando vários aspectos da vida social se inter-relacionam. Os trabalhadores ao garantirem por si só suas lutas, sem a necessidade de uma 'vanguarda sindical' os representando assumem um papel de agente da transformação.
Ocorre uma conscientização da classe trabalhadora e esta se descobre capaz de administrar o processo de produção e distribuição (seja em redes solidárias ou mercados capitalistas). Também cria novas formas de organizar o trabalho através da 'ação direta' e assim rompe com as formas tradicionais de organização do trabalho. Desta forma os trabalhadores aparecem como 'sujeitos revolucionários', pois transformam a organização de suas vidas e este é um ato revolucionário.
O movimento autogestionário aparece como resposta a um relação de opressão, no qual os trabalhadores eram submetidos à péssimas condições de trabalho. Como forma de resistência os trabalhadores se organizaram em associações que negavam a estrutura capitalista hierarquizada.
Entretanto esta forma que nega a estrutura capitalista tem de se expandir para outros âmbitos da vida social. É necessário que se inclua na ação direta – autogestionária – espaços culturais e políticos.
A gestão da vida passa ser regida pelas próprias pessoas organizadas em grupos e reunidas em assembléias. Isso seria a superação dos intermediários.
Somente com a prática diária da autogestão, com suas idas e vindas, num zig-zag constante é que se constroem processos autogestionários. Mesmo que as vezes tudo parece uma balburdia, com conflitos intermináveis esses é o processo no qual todos podem participar com a mesma intensidade.

domingo, 18 de outubro de 2009

Terra e Liberdade

Direção: Ken Loach

1986 – Itália, Espanha, Reino Unido e Alemanha.

Filme inspirado no livro “Lutando na Espanha” de George Orwell conta a história de David Carr e por consequência uma parcela história da guerra civil na Espanha. O interessante é o foco que foi dado à história, buscando mostrar aspectos poucos conhecidos da guerra civil. A guerra civil aparece como catalisadora da força internacional do movimento de trabalhadores e também das correntes libertárias.

O personagem Davi Carr é membro do Partido Trabalhista Independente da Inglaterra, foi enviado à Espanha para combater junto às milícia que compunham a Frente Popular1 contra o fascismo. Esta milícia estava ligada ao Partido Obrero de Unificación Marxista (POUM). O POUM representa a união de duas correntes marxista revolucionárias - Esquerda Comunista de Espanha (ICE) e o Bloco Operário e Camponês (BOC).

O filme procurara retratar a organização dos trabalhadores, por meio dos partidos comunistas, que possibilitaram a internacionalização das ideias de resistência e revolução da classe trabalhadora. A milícia organizada do POUM era formada por pessoas de diversas nacionalidades, demostrando a ideia de união de todos os trabalhadores do mundo pela causa comunista. Sem falar em outra frentes como a Brigada Internacional formada por combatentes de diversos países. Os motivadores ideológicos desencadearam uma grande mobilização, muitas pessoas viram na Guerra Civil a possibilidade de realização de suas ideologias.


Qual é o objetivo a ser precorrido: a revolução ou o combate ao fascismo?

Uma das grandes questões da revolução é a proposta de coletivização das atividades produtivas. Mas, talvez, não fosse essa a questão da Guerra Civil, que me parece ter como motivação a luta conta o fascismo e não a 'revolução comunista'.

A cena: A milícia se prepara para lutar pela liberdade de um vila que está dominada pelo exército fascista. Com a vitória a população da aldeia estabelece uma assembléia geral para discutir os rumos da ação. A cena é composta das argumentações de vários personagens... todos em busca de formar um consenso de ideias sobre o que fazer após a conquista de terras. A necessidade de produção de alimentos, a ajuda às causas da revolução suprindo os frontes de suas necessidades. A coletivização imediata, pois a propriedade privada mantém a mentalidade capitalista. “A revolução deve ser feita já, não pode esperar o amanhã”, aparecem com muita convicção, tanto na fala dos moradores da vila como na argumentação do milicianos.

Entretanto essa ideia é rejeitada por um membro da aldeia, que não aceita nenhum dos argumentos. Acreditando que tem direitos individuais sobre suas terras e produção.

Os milicianos são chamados a contribuir com o debate e assim também demostram que não é consenso as formas de encaminhar a luta (revolução). Sendo assim a discussão fica no entorno da preocupação em implantar o comunismo ou optar pela luta antifascista.

Algumas argumentações propunham a ampliação da luta para além da Espanha, pois não é somente a ameaça de Franco, mas também de Mussoline e Hitler e todo um contexto de miséria dos trabalhadores no mundo. Outra era em relação a causa Espanhola só ter o apoio do México e da Rússia e por isso deveriam moderar suas diretrizes. Mas essa era uma ideia isolada dentro da milícia, pois em sua maioria defendiam questões comunistas, de coletivização das forças produtivas.

Consideravam que está ação serviria de exemplo para outros países. E os capitalistas só ficaram satisfeitos quando “diluirmos os nosso ideais”. Por fim os moradores da vila votam a favor da coletivização das forças produtivas. Assim mantém uma postura que vai além do combate ao fascismo, na busca da revolução comunista.

Tudo isso ocorre devido a falta de um projeto unificador dos trabalhadores, existe uma divisão na Frente Popular e esta parece ser uma ação antifascista e não revolucionária. A união de diversas pessoas, que agrupou diversas correntes do pensamento político contra as ações de Franco.


O controle da revolução e o governo democrático.

O Governo em Valência impõem a unificação do movimento e quem não se alinhasse não receberia armas, nem apoio. Com isso a Milícia se reúne para avaliar as vantagens e desvantagens de integrar as forçar armadas oficiais.

Bernard alerta que a criação de um exército com disciplina, hierarquia militar destruirá o espírito revolucionário das pessoas - “É o que Stalin espera”. Entretanto ainda existe uma visão “romântica” sobre a atuação do partido: Davi - “não é possível que isso ocorra, o partido comunista queria a revolução, porque não apoiariam as ações das milicias?!”. A milícia, neste caso, aparece como o coração da revolução. Mas ao mesmo tempo não se obtém controle absoluto sobre ela. É um espaço de cooperação e tudo é decidido no coletivo. Essa força aparece como ameaça ao planos de dominação de Stalin?! Por isso a necessidade impedir a atuação autônoma e colocá-la sob a égide de um poder central e hierárquico. Não é um processo de parceria e sim de subordinação. Todas essa questões são abordadas na discussão entre os milicianos.

Como é possível notar a configuração do movimento antifascista/revolucionário toma novos rumos e isso é só o início de grandes mudanças. Com a dificuldade imposta às milícias o personagem Davi Carr deixa a milícia para incorporar a Brigada Internacional, ordem militar muito mais organizada, com recursos e alinhada com a diretrizes do Partido Comunista (do qual é membro). Neste mesmo momento as mulheres são retiradas da linha de batalha e só podem trabalhar como enfermeiras e cozinheiras, representando um retrocesso nos ideais de igualdade.

Existe uma dúvida histórica em relação a participação do POUM na Guerra Civil, o filme procura mostrar os integrantes do POUM como leais à revolução, com uma base ética e política (coletivização). O filme mostra uma sutil manipulação política no qual o Partido Comunista espanhol influenciado pela URSS (pensamento stalinista) vai eliminado as diversas forças sócio-politica que atuam na guerra civil. O POUM foi acusado de sócio-fascismo, ocorre o fechamento do Jornal ' La Batalha', houve prisões e tortura dos dirigentes. Os jornais noticiam que Trotskistas espanhóis juntam-se a Franco.

Por fim ocorre o golpe final na milícia, o Exército popular comunista impõem que os milicianos deponham as armas. Decretam que esta companhia militar deixa de existir. Os oficiais Juan Vidal, Bernard Gohon, Miguelangelo Campos e Rafael Gimenez foram presos.

Tudo isso aparece como um movimento silenciador das oposições, o movimento de esquerda esta fragmentado, com divergência internas. Uma inversão total pela luta pela liberdade, pelos ideais de igualdade substantiva são atropelados por um modelo dominador que impõem e perpétua valores arraigados na cultura capitalista. A luta das milícias de fato proporcionava uma experiência comunista no qual os objetivos eram para a realização do coletivo e não a realização pessoal. Tudo era discutido e decidido no grupo, as pessoas se aproximavam da história. Passaram a ser agentes da história, intervendo de forma consciente.


O partido comunista e a revolução

O personagem percorre um processo de transformação no seu modo de ver a revolução e o partido comunista. Primeiramente conhece a dor da guerra e da perda de pessoas e depois constata que o partido não corresponde as teorias e ideologias sobre a transformação do mundo.

Com a mudança para Barcelona o filme centra nas disputas travadas entres comunistas e POUM/Anarquistas. Sua vivência no exército popular o faz perceber os conflitos entre as várias vertentes do movimento socialista, a influência da URSS e o stalinismo. Ocorre a quebra da ideia romântica sobre a luta, sobre a revolução.... Neste momento o personagem toma consciência de tudo o que já havia sido dito sobre o Partido Comunista Espanhol e a influência de Stalin.

A luta desmorona na nossa frete, ninguém confia em ninguém”.

O personagem Davi Carr resolve abandonar a Brigata e retornar à Milícia, rasga sua carteira do Partido Comunista como um ato de repúdio por tudo que viu. Reconhece que o “partido é podre, mau e corrupto”. Presenciou a execução de camaradas, prisões e desaparecimentos. A milícia mesmo com poucos recursos, numa luta desigual conseguiu manter o sentimento de comuna, união por objetivos únicos e a necessidade de instaurar uma nova ordem sócio-política.


Entre na batalha. Nela ninguém perde.

Mesmo para aquele que perde,seus efeitos ainda prevalecem .

Willian Morris


1 Frente Popular era formada por partidos republicanos de esquerda, socialistas e comunistas. Integravam a frente, entre outras organizações, o Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE), a União Geral dos Trabalhadores (UGT), o Partido Comunista da Espanha (PCE), o Partido Operário de Unificação Marxista (POUM), além dos partidos republicanos Izquierda Republicana (IR) de Manuel Azaña e a União Republicana (UR) de Diego Martínez Barrio. O pacto era apoiado também por nacionalistas catalães (Esquerra Republicana de Catalunya) e galegos (Partido Galeguista). Os anarcosindicalistas da Confederação Nacional do Trabalho, embora não fizeram parte da Frente, não se mostraram beligerantes com ela, obtendo por isso muitos votos anarquistas (os quais, tradicionalmente, não votavam).- in http://pt.wikipedia.org/wiki/Frente_Popular_(Espanha)

domingo, 20 de setembro de 2009

Os Lips – um coletivo capitalista?

"O socialismo consiste inteiramente na negação revolucionária da EMPRESA capitalista, e não em garantir a empresa para os trabalhadores da fábrica".
Amadeo Bordiga, Propriété et Capital


Em 1973 eclode um conflito entre os trabalhadores e patrão na empresa Lip Watch Co. O que motivou o conflito foi a proposta de re-estruturação na empresa que incluía diminuir algumas seções de trabalho e demitir parte dos trabalhadores.

O jornal francês Négation procurou fazer uma ligação entre os acontecimentos ocorrido na Lip com as que ocorreram logo após a II guerra – as comunidades de trabalho. Considera que como no passado a destruição das forças produtivas (a transferência da fábrica para outra empresa, neste caso) e o pouco capital constante foram pontos importantes para a greve e a formação do coletivo.

Além do mais, o modo arcaico do sistema produtivo francês, em pleno século XX , foi ponto importante para configuração do conflito. Os trabalhadores da Lip estavam inserido num capitalismo arcaico, no qual o trabalhador ainda se identificava com seus meios de trabalho, ou seja, os processos de produção ainda pertenciam aos trabalhadores, mesmo que estes não fossem os proprietários dos meios de produção (fábrica).

Para frear os planos de re-estruturação da empresa os trabalhadores iniciaram uma mobilização e aos poucos foram paralisando a produção. No extremo do conflito ocuparam a fábrica e fizeram dois administradores reféns.

Os Lips assumem a produção da fábrica, essa escolha não era uma crítica ao modelo de produção, os trabalhadores revindicavam formas para a garantia dos salários. Se organizam para produzir e vender para que fosse possível o pagamento dos salários. Os trabalhadores passaram a propagar o slogan: É possível: nós produzimos, nós vendemos e nos pagamos. De fato este é um lema autogestionário, entretanto esta ação não foi capaz de romper com a forma de produção capitalista (Jornal Négation).

O jornal Négation apontou que os Lips tinham “calor humano, a redescoberta da alegria de viver”. Esta energia envolvia as atividades da empresa e da vida social. No texto os “Lips” são apontados como possuidores de uma dinâmica própria, mesmo tendo um conteúdo limitado. Pois pretendiam apenas re-estabelecer os postos de trabalho e garantia de salários.

Ainda, no mesmo texto, busca-se mostrar que os trabalhadores da Lip procuraram criar uma vida comunal entorno da empresa. Aponta para um 'um novo sentido de comunidade',

... na nova LIP havia uma tendência a criar uma vida comunal organizada em torno da empresa: encontros, piqueniques e festivais foram organizados, ao que parece , quase diariamente” (Jornal Négation)

Porém ao assistir o documentário, vi depoimentos de esposas de trabalhadores (lideranças) que revelam o contrário – a entrega e exaustão dos maridos, em relação a luta para manter a empresa funcionando. Um total abandono da família. Acredito que o que buscavam não era fundar uma nova ordem social mas sim, manter a existente.

A ideia de que a vida pode ocorrer entorno da fábrica revela a centralidade do trabalho / instituição-emprego. Nesta lógica a Empresa concentra todas as necessidades para produção e reprodução humana e dá sentido a vida. Isso foi uma realidade social e uma prática para algumas empresas capitalistas, que criaram associações / grêmios recreativos para seus funcionários, para que estes pudessem usufruir de lazer em suas horas vagas (talvez assim mitigavam a possibilidade de insatisfação e revolta dos trabalhadores).

Além disso o movimento estava calcado na liderança de algumas pessoas, como a figura emblemática de Charles Piaget, sindicalista da CFDT (Confédération Française Démocratique du união Travail).

Segundo o jornal francês o que se formou foi um coletivo capitalista, pois a ruptura foi devido o 'abandono' do patrão. A organização foi necessária para possibilitar a gestão da empresa e essa foi feita por assembleia geral. Ainda baseado no texto “na Lip não surgiu uma nova empresa”, os trabalhadores estavam mobilizados para manter os postos e modos de trabalho e para isso criaram uma forma de manter os funcionamento da fábrica e conseguir um novo patrão, que restaurasse as antigas condições de trabalho.

O Jornal Négation ressalta que na LIP houve a manutenção das hierarquia e salários, sendo a manutenção “uma necessidade imperativa para a criação do coletivo capitalista”. Entretanto no documentário apenas ocorre uma discussão sobre como iam fazer a divisão dos valores obtidos com a vendas dos relógio. Surgiu questões como levar em conta as necessidades, a participação, o envolvimento e também em relação ao que é ser justo.

Outro ponto abordado no texto foi a transformação social e para que esta ocorra o movimento iniciado nos locais de trabalho precisam transpor os portões da fábrica e atingir a sociedade num todo. A força de luta dos trabalhadores só se torna potencialmente revolucionária quando abrange a totalidade da sociedade. O Jornal Négation afirma que “o proletariado pode se constituir enquanto classe somente se ultrapassa a empresa”. O sequestro do estoque de relógio e depois a produção e venda dos mesmos fez com que a sociedade tomasse consciência sobre a situação vivida por aquele grupo e assim solidarizando-se. Houve uma expansão do movimento interno (fábrica) para a região de Bensançon, pessoas passaram a visitar a empresa. Muitas pessoas queriam vivenciar aquilo - passavam alguns dias como numa vivência socialistas de produção capitalista. Entretanto na falta de uma proposta diferente da existente (sociedade capitalista) o movimento não se estendeu além da região de Besançon. Esta se envolve pois dependia da fábrica de relógios, estava organizada a partir da empresa capitalista. A Lip era importante para o desenvolvimento do (arcaico) capitalismo francês e para a esta região.

Charles Piaget revela em seu depoimento que foram várias as tentativas de movimentos sindicalista, esquerdas e pesquisadores querem fazer da Lip um laboratório de experiências, mas em nenhum momento se envolveram e sempre se mantiveram autônomos. Entretanto o que buscavam era o apoio dos sindicatos para a negociação da empresa para algum 'capitalista' – patrão.

A luta pela Lip demostra que os trabalhadores, mesmo vivendo em uma sociedade capitalista, resistiam as formas mais intensivas do capitalismo. Na França a cultura do trabalho de pequenos produtores é muito forte e a identidade de ofício também. Arroyo e Schuch apontam que na “França, não é permitido que grandes redes de supermercado se instalem no grandes centros urbanos, para que mercearias, padarias, quitandas e feiras possam cumprir seu papel.” ( Arroyo J. C. T. e Schuch F. C. Economia popular e solidária, a alavanca para um desenvolvimento sustentável. Coleção Brasil Urgente. Perseu Abramo. 2006.).

Acredito que a Lip represente o movimento de resistência de uma classe trabalhadora que se vê sendo expropriada dos processos de trabalho e de sua identidade com o trabalho e com a própria empresa. Charles Piaget era filho de um artesão relojoeiro, o que demostra a antiga ligação deste homem com o labor – fazer relógios. E quando surge a possibilidade de parte deste fazer não existir mais lidera uma resistência. Também significou a possibilidade de expressão feminina no movimento em defesa do trabalho.

Por fim, parece existir uma desconexão entre o texto e o filme. Mas devemos considerar que existe uma diferença no tempo histórico. O texto do Jornal é um artigo publicado logo em seguida do fato ocorrido, a reflexão quei estava sendo feita era no furor dos sentimentos. O filme feito anos depois, com alguns participantes que procuram fazer uma reconstituição histórica do movimento dos trabalhadores. Os depoimentos revelam como foi o desenvolvimento do conflito e também o sentimento deixado nos participantes. Não deixando de observar que este é o pensamento re-elaborado (memória), após anos e muitas outras coisas vividas .

Assistir o documentário e efetuar a leitura do texto fez-me pensar em muito no desenvolvimento do Coletivo com o qual trabalho.... o que será que fazemos -lá... será que de alguma forma o grupo consegue romper com a lógica predominante, avassaladora do capitalismo ou apenas mitigamos essa forma? Distribuímos responsabilidades para facilitar os mecanismos de reprodução do sistema? Ou estamos construindo uma nova forma de relação de trabalho?


Os LIP, a imaginação ao poder (Les LIP, L'imagination au Pouvoir).Diretor: Christian Rouad. França, 2006, 118 minutos.(Filme).

Crise e Autogestão - Jornal Négation #3, 1973, traduzido pelo grupo autonomia.