sábado, 5 de dezembro de 2009

A diferença da Igualdade

A dinâmica da economia solidária em quatro cidades do Mercosul (fragmento)
Antônio Cruz

O texto de Antônio Cruz procurou “investigar as origens históricas e a dinâmica sócio-econômica da chamada economia solidária”. Além deste, outros objetivos perpassaram a pesquisa: o esboço de uma 'história comparada' e a trajetória do movimento cooperativo em cada cidade investigada como parte do contexto de “surgimento dos processos e fenômenos que hoje são denominados economia solidária”.
O autor apresenta a ideia que tem sobre a gênese da economia solidária, procurando identificá-la em quarto cidades do Mercosul - Brasil, Argentina e Uruguai.
Primeiramente abordas as questões relacionadas a emergência da economia solidária e como os fundamentos do neoliberalismo estão relacionados a esta questão. Os planos de controle do plano economico e a luta contra a inflação. Todos os países da América Latina estavam passando por um mesmo movimento. A partir da década de 1990 um novo imperativo, ditado pelo Consenso de Washington e Fundo Monetário Internacional passou a impulsionar o controle da economia.
A proposta posta no Consenso foi implementar uma política de reestruturação que fosse de longo alcance. E para fazer parte da ação do FMI os países deveriam assumir o compromisso e executar as exigências dos organismos internacionais. Todas as medidas adotadas colocaram em prática “um conjunto de reformas econômicas que poria abaixo (… ) toda uma estrutura reguladora construídas nas décadas anteriores – flexibilização da legislação trabalhista, diminuição de direitos e privatização de serviços públicos”.
Antônio Cruz expõem a opinião de Belluzzo e Almeida sobre o Plano Real. Para estes o Plano Real foi mais do que um método de estabilização economia, este representou um “projeto liberal que supõe a convergência relativamente rápida das estruturas produtivas e da produtividade brasileira na direção de padrões 'competitivos e modernos' das economias avançadas”. (Beluzzo e Almeida apud. Cruz, p. 128).
Em seguida, Antônio Cruz expõem os resultados deste plano econômico e como foram rapidamente sentidos: redução da inflação, elevação do poder de compra dos salários, aumento da demanda e da oferta, aceleração do crescimento econômico, ajustes macroeconômicos, reestruturação produtiva, aumento do desemprego e endividamento público.
Estes ajustes atingiram as populações mais pobres e em situação de vulnerabilidade, pois para garantir o sucesso do plano houve a diminuição dos investimento em proteção social e uma flexibilização das relações de trabalho causando a precarização das relações de trabalho e o aumento da pauperização.
Na Argentina e em outros países da América Latina houve a ilusão de um desenvolvimento maior, mais intenso. Entretanto com o passar do tempo foi percebido os reais efeitos econômicos e sociais. Para demostrar como foi pequeno o crescimento econômico, Antônio Cruz , apresenta uma comparação entre as décadas de 1950-1980 e 1981-2004.
Antônio Cruz aponta que a reestruturação econômica modificou a estrutura do mercado de trabalho causando consequências nas formas organizativa e reivindicatória dos trabalhadores. Todas as mudanças adotadas foram na busca de atingir uma maior 'competitividade das empresas'. Ações como investimento em capital fixo, qualificação e diminuição dos recursos humanos, flexibilização do trabalho e das formas de contrato foram normas básicas que todos deveriam seguir. O incentivo a competição entre os trabalhadores é acirrada, e as relações de trabalho se tornam mais fragilizadas. Os trabalhadores perdem as estruturas que formam sua identidade, conhecem o desemprego, a flexibilização da contratação, a automação (formas toyotizadas de produção). O autor apresenta uma série de dados que demonstra o aumento do desemprego.
A luta e resistência dos trabalhadores se desloca da mesma forma que ocorre uma mudança na estrutura do emprego. O sindicato vai perdendo forças de mobilização, devido o aumento do desemprego. Os trabalhadores necessitando sobreviver reinventam formas de trabalho, buscam formas alternativas.
Antônio Cruz aponta que a primeira solução para o desemprego são as formas assistencialista ou clientelistas, nos países estudados foram implantados programas compensatórios e de redistribuição de renda. Ressalta que além das ações ligada ao governo essa prática é desenvolvida por associações, ONG's, igrejas, com programas de atendimento à população, oferecendo acessoa a educação, cultura, formação profissional, inserção digital, entre outras 'prestações de serviço'.
Uma segunda tentativa de solucionar as questões de desemprego (econômicas) são as ações violentas. A 'criminalidade' aumenta: roubos, assaltos, venda de drogas passam a ser formas de 'ganho financeiro'.
Uma terceira forma apontada por CRUZ é a economia solidária, na qual tem governos, empresários, mídia e terceiro setor apoiando.
O autor em sua pesquisa mostra que as iniciativas de economia solidária tem em sua formação e consolidação o resultado da ação consciente de resistência de “lideranças oriundas dos movimentos sociais dos ano 80”. Esta lideranças trazem valores sociais defendidos anteriormente e postos em voga pelas propostas de organização destes empreendimentos.
Desta forma, o autor coloca a economia solidária como uma consequência de um sistema excludente. Como uma solução para a reestruturação econômica e ao mesmo tempo um espaço para que os valores da luta dos trabalhadores voltem à cena, mas desta vez numa nova organização que procura fortalecer a democracia participativa e a justiça social através da igualdade econômica.
Por último, o autor, aborda questões relacionadas às formas históricas do cooperativismo e sua articulação com a economia solidária.
As variadas formas de cooperativismo estão pautadas na ação dos sujeitos coletivos, mas esta ação “não depende apenas do contexto histórico que se encontram (…), mas dependem da leitura que este sujeitos coletivos fazem acerca da realidade que os cerca” (137). Desta forma, Cruz, afirma que a economia solidária acontece “num dado contexto e numa dada leitura deste contexto”. Os atores deste fazer buscam um outra forma de solucionar as questões econômicas e estão orientados por uma ética baseada nas lutas sociais. Entretanto nem todas as organizações cooperativas são formadas a partir de conjunto de valores ligados as lutas sociais ou aos 'princípios utópicos do cooperativismo original, ligado ao socialismo e ao movimento operário'. Muitas cooperativas se corrompem em seus princípios, atendendo a demanda da reestruturação produtiva e adotam os procedimentos do empreendedorismo capitalista.
Antônio Cruz coloca a economia solidária no mesmo patamar que os novos movimentos sociais, com sua critica às velhas estruturas de ação e organização social e política. Sendo assim muitos movimentos de ação econômica (assentamentos e fábricas recuperadas) se recusaram, por muito tempo, a usar a estrutura jurídica de cooperativa, por não acreditar que esta forma seja distina das empresas capitalistas. A economia solidária é uma forma de crítica ao cooperativismo tradicional. O autor ressalta que existe uma dificuldade de definir de forma clara as organizações tradicionais e as de economia solidária, pois o discurso é sempre na direção democrática e participativa, mas a prática nem sempre.
Segundo o autor, algumas cooperativas tradicionais são mais democrática, participativas e próximas ao princípios autogestionários do que novos empreendimentos, formados na era neoliberal, que servem a outros princípios e valores. Este deslocamento de ideais foi para atender uma necessidade das cooperativas de incorporar mão-de-obra assalariada e manter de forma permanente o mesmo grupo no controle. A partir da década de 1990 abre uma “brecha legal” para que diversas cooperativas, com objetivo único de oferta de trabalho precarizado se constituíssem como agências de oferta de mão-de-obra.
Portanto o autor define três formas básicas de organização cooperativa, sendo cada qual distinta uma das outras: cooperativas empresariais, cooperativas precarizadoras e cooperativas autogestionárias. Entretanto, todas elas estão sob a mesma figura jurídica que as entendem como uma coisa só.
Ainda dentro da perspectiva histórica Antônio Cruz procurou reconstituir algumas práticas e por sobre elas o olhar da produção coletivizada. Afirma que ao longo do século XIX formaram-se as primeiras comunidade agrícolas cooperadas, anteriormente a isso, ainda no período da colonização, as cidades jesuíticas – as Missões, se aproximavam da ideia de sociedades cooperativas.
No Brasil as primeiras comunidades cooperadas tiveram inspiração em Charles Fourier e em sua maioria ligadas aos grupos de imigrantes europeus. Com o passar do tempo cooperativas de crédito foram organizadas e com isso editadas as primeiras leis que passam a reger a associação cooperativista (1903 – 1907 – 1932). Durante esse período as cooperativa surgiram sem articulação política ou econômica e com forte atuação agrícola, uma forma de ações que garantissem a possibilidade da produção (financiamento, produção e comercialização).
A partir de 1930 com o processo de burocratização do Estado é estabelecido um arcabouço legal para atender a demanda das sociedades cooperativas. O Decreto lei 5.764/71 normatiza o sistema operacional das cooperativas, mas mantém a intervenção estatal sobre as mesmas, e estabeleceu o número mínimo de vinte associados.
O autor ressalta que na atualidade existe uma luta para modificar algumas das condições para a formação de sociedades cooperadas. O Código Civil com nova vigência, permite associações com número menor que 20, entretanto somente algumas juntas comerciais aceitam o registro.
Na Argentina as comunidades cooperativas surgem também no século XIX e na primeira metade do século XX (1922) é criada a primeira federação de cooperativas agropecuárias. Também houve iniciativas urbanas voltadas para cooperativas de consumo e crédito e algumas localidades criaram serviço para fornecimento de energia elétrica, telefonia, água, etc. devido a insuficiência do Estado em oferecer serviços públicos. A legislação sobre o tema aparece no Código do Comércio (1889) e uma legislação específica em 1926, baseado nos princípios de Rochdale. Em 1973 ocorre uma mudança na legislação e desta vez representantes do movimento cooperativo participam da elaboração. O número mínimo de associado varia entre 10 e 7, e tem em sua base a prestação de serviços. Isso aproxima as sociedade cooperativas argentinas com os princípios do cooperativismo internacional. Posteriormente houve o fortalecimento de cooperativas de produção e trabalho. O cooperativismo na Argentina teve grande desenvolvimento e se fortaleceu em variados ramos das atividades econômicas.
No Uruguai os primeiros registros de sociedade cooperativas são do final do século XIX, e eram “organizações de consumo de extração operária” (147) e também associações de crédito mútuo. A legislação específica sobre o tema aparece no início do século XX (1912) e regulava as associações de crédito e fomento rural. Outras iniciativas surgem no primeira metade do século XX, inclusive a criação do Instituto Cooperativo Rural e o regimento jurídico das sociedades cooperativas. O governo em 1935 reconhece a sociedade cooperativa de produtores de leite e a regulamenta por “lei estatal” que lhe garantia créditos do governo, eleição democrática da direção e um síndico nomeado pelo Banco de la República que fiscalizava a atuação da diretoria.
Antônio Cruz ressalta que com esta lei o Estado instituiu o monopólio do beneficiamento e distribuição de leite através de uma cooperativa que estava sob fiscalização do Estado. O autor lembra que as leis que beneficiam a ação cooperativa (trabalho associado e construção de moradias) são criadas “no período de estagnação econômica do país, nos anos 60, e quando a política uruguaia começava a ser polarizada pela entrada da esquerda no cenário eleitoral e pela radicalização dos movimentos sociais” (149). O movimento cooperativo uruguaio esta ligado a duas vertentes: movimento associativo classistas e o papel desenvolvido pelo Estado.
Os diferentes países apresentam índices bastante distintos sobre atividade econômica associativa solidária ou não. O que é possível verificar é que a formação cultural e econômica destes países influencia a existência maior ou menor de atividades cooperativas.
A economia solidária e sua articulação com o cooperativismo é algo a ser examinado com um olhar atento. Para Cruz o fato do empreendimento ter um registo de cooperativa “não indica alterações significativas das relações sociais de produção, da relação de trabalho, da distribuição de renda, da eficiência e da produtividade” (151). Entretanto pode-se fazer algumas observações acerca da economia solidária.
Antônio Cruz em sua análise demostra que as cooperativas agrárias e as de crédito são nas quais os 'espírito' empresarial (capitalista) predomina. As cooperativas de produção e trabalho associado apresentam maior precarização do trabalho. As cooperativas de consumo e habitação se aproximam das vertentes mutualista , na qual, a lógica de beneficiamento individual. Ainda ressalta que na maioria delas a participação efetiva na gestão das cooperativas é miníma.