segunda-feira, 22 de junho de 2009

Educação e Autogestão

Introdução

O trabalho que realizo no Projeto 'Costurando uma Nova Realidade' é uma proposta para promover o desenvolvimento econômico da população. Para isso organizamos uma formação em costura para mulheres da comunidade Jardim Pantanal.

O desenho do projeto ocorreu após uma conversa com a Coordenadora do Núcleo de Ação Social, que me forneceu elementos básicos para a organização dos conteúdos. Um dos desejos era que fosse algo a mais do que costuras. Sugeri que fizéssemos uma formação em costura e artes manuais, com o objetivo de constituir um grupo produtivo, mas que isso ocorreria a médio prazo.

Foi elaborado um diagnóstico para analisar a situação social do grupo, houve uma mobilização de pessoas e o estímulo para o trabalho coletivo, incentivo a escolarização e a promoção das potencialidades para a superação dos entraves existentes na implantação de um sistema produtivo, através da organização, planejamento e desenvolvimento de um empreendimento solidário.

Em 2008 foi realizada a formação básica e a constituição de um grupo (atualmente) com 12 mulheres. Por todo o momento a técnica, a teoria, a produção e a geração de renda se misturam para proporcionar a compreensão do real. Uma 'educação para o trabalho e a vida coletiva' que se desenvolve em espaços no qual as pessoas assumem responsabilidades compartilhadas. Uma proposta que procura formar uma nova sociedade.

São vários os autores que me inspiram para essa prática, no texto a seguir procuro elencar os pontos que considero importantes para minha prática e reflexão.



A Educação

O ponto de partida para essa reflexão é a crítica à educação que procura domesticar as pessoas. “Pistrak percebia com toda clareza que uma pedagogia concebida para formar vassalos era inadequada para formar cidadãos ativos e participantes da vida social” (TRAGTENBERG). Mészáros apresenta a educação escolar como fornecedora dos “conhecimentos e o pessoal necessário ao sistema de produção”, como porta voz dos “valores que legitima os interesses dominantes” e por fim como promotora de “conformidade ou consenso” (MÉSZÁROS 2005:35).

Autores como Pistrak, Paulo Freire, Maurício Tragtenberg, Istiván Mészáros, Moacir Gadotti e Francisco Gutiérrez desenvolveram uma crítica à essa pedagogia que cria indivíduos alienados, a favor dos opressores. Entretanto a educação pode ser um processo de formação de um indivíduo autônomo, que saiba lidar com os obstáculos existentes na vida, sem se entregar a sua anulação. Também um espaço de formação de indivíduos que se conscientizem da sua realidade, que fiquem cientes de si e dos outros. Que passe a ver a situação vivenciada como ‘problema’ a ser superado e procure romper com o ciclo vicioso no qual está inserido; uma educação emancipadora. Para Pistrak a educação é um processo que permite as pessoas superarem o individualismo e o egoísmo (TRAGTENBERG). Entretanto esta é uma visão associada aos que lutam contra a opressão, a dominação e a alienação, ou seja o domínio do capital (MÉSZÁROS).

Segundo Tragtenberg, Pistrak acreditava que

a alternância da teoria com a prática e a abertura permanente ao social, através da participação dos alunos na organização interna da escola, e da instituição, de formas de disciplina no aprendizado constante, pela prática de responsabilidades em função dos direitos e deveres que formariam o novo cidadão.”

A educação social1 procura promover muito mais do que a aprendizagem de um conceito ou técnica, tem por objetivo fazer a educação para o convivo social, buscando contribuir para a formação de um indivíduo-social capaz de reconhecer-se sujeito da história.

O processo educativo

Walter Benjamim afirma que a transmissão de valores sociais só acontece na prática cotidiana e não no discurso conceitual. Esta afirmação também está em Pistrak - “ o fundamental nas instituições [educacionais] decorre muito mais de uma prática não verbalizada do que do conjunto dos enunciados solenes de que ela se faz porta-voz”. Isso significa que os processos educativos precisam de situações vivenciadas. De nada adianta a definição de conceitos e técnicas se isso não passará de retórica.

Desta forma educador é um agente de intervenção, contribuindo para a reflexão sobre a realidade, tem sua ação pautada na busca da mudança e da compreensão da realidade. Ator que proporciona um diálogo problematizador, e envolve o educando na busca de soluções. Ele é o canal para o mundo do outro e condutor da reflexão sobre as diferenças. O papel do educador é contribuir para a construção de um indivíduo capaz de conduzir a própria vida.

Neste caso o educador tem de estar disposto a lidar com novas formas de comunicação, formas simbólicas e culturais, muitas vezes não conhecidas, ou ainda opostas ao conjunto de valores que carregamos. Pauta sua ação no rompimento das construções sociais baseadas no senso comum, que constrói a imagem de uma população alienada, sem consciência de si e sem interesse pela participação política e social. Helena Abramo aponta formas de participação política, não-política e também as experiências não-institucionais. Se o educador mantiver seu olhar preso nos modelos históricos de participação, encontrará poucas organizações que o satisfaça e ficará com a ideia de população desinteressada.

Ao estabelecer a relação com o educando, o educador assume a figura de referência e coloca em prática seu conjunto de valores, normas e maneira de ver o mundo. A partir desta contraposição de olhares, o educador será o condutor da reflexão sobre a realidade por meio de um diálogo problematizador que procurará levantar questões sobre a realidade do educando.

Paulo Freire ressalta que não existe processo pedagógico desinteressado. A educação para os autores citados é um processo que proporciona a pessoa romper com a opressão, libertar-se.

Para que isso ocorra é necessário proporcionar a convivência que promova respeito, solidariedade e desenvolvimento criativo, possibilitando a participação responsável de todos, levando o educando ao protagonismo de sua própria vida. Um aprender-vivendo, a busca de um diálogo sobre queres, fazeres e seres; um pensar sobre o mundo que vai se tornado questionador.

Também é necessário formar e fortalecer vínculos que permitem uma troca de vivência, de medos, de coragens. Os indivíduos vão estabelecendo uma relação de confiança e respeito mútuo, saem do individual a caminho do ser coletivo.

Tragtenberg lembra que o sentido de coletivo para Pistrak é “uma estrutura onde não só as crianças, mas os homens em geral estão unidos por determinados interesses, dos quais têm consciência e que lhes são próximos”. Entretanto não somos criados para viver em grupo, cooperando um com os outros. Por todo momento somos treinados e formados para competir e vencer individualmente.

Esta situação é mais acirrada no mundo do trabalho (emprego), as oferta não cabem a todos. Sendo assim a competição e a disputa são muito grande.

Mas é possível ser diferente, desde que haja interesse para isso! Para Pistrak a “aptidão do trabalho coletivo é adquirida no processo do próprio trabalho”, isso não exclui regras e organização, entretanto é necessário a participação de todos os envolvidos e “na medida do possível, ocupem sucessivamente todos os lugares, tanto as funções dirigentes como as funções subordinadas” (TRAGTENBER).

Espaços no qual as situações possam ser vivenciadas é uma ótima experiência de aprendizagem. O “ensino de questões como a divisão de trabalho e o trabalho mecanizado” se dará quando o educando puder ele mesmo realizar as tarefa, sabendo manusear todos os equipamentos. Dando espaço para possibilitar a “criatividade técnica do aluno, tendo em vista a construção de uma nova sociedade” (Pistrak apud Tragtenberg).

A vivência num coletivo permite a cada pessoa condições de se desenvolver, de crescer pelos seus próprios meios e de se organizar numa base social. É um processo flexível, que pode ser “adaptável a cada momento, (...) com um plano de atividade autônomo, mutável conforme as circunstâncias” (TRAGTENBERG), podendo ser alterado pela maioria dos participantes do coletivo.

O educador nesta relação, segundo Pistrak “é o de facilitar as crianças, sem esmagar suas iniciativas sob sua autoridade, nem abandoná-las a pretexto de não intervir, um meio termo é fundamental”.

Nesta minha práxis procuro constituir um espaço de formação para que as pessoas envolvidas em tal processo possam caminhar para a auto-organização. Este é um grande desafio a ser perseguido e praticado por um legítimo coletivo.


1Alguns autores a define como educação popular.



Bibliografia


ABRAMO, H.
Observatório Jovem – participação e organizações juvenis, in SÃO PAULO (prefeitura). PROJOVEM – formação de gestores municipais e educadores – textos selecionados para formaçõa inicial.

BENJAMIN, W.
Reflexões sobre a criança, o brinquedo e a educação. São Paulo, Duas Cidades; editora 34, 2002.

FREIRE, Paulo.
Pedagogia do Oprimido

MÉSZÁROS, István.
A Educação para além do capital

SEVERO, Antonio J.
Preparação técnica e formação ético-político dos professores in BARBOSA, R. L. L (org.). Formação de educadores – desafios e perspectivas. São Paulo. Unesp. 2003.

GADOTTI, M.
e GUTIÉRREZ, F. (org). Educação Comunitária e Economia Popular. 2ª edição. Cortez. São Paulo. 1999.

TRAGTENBERG, M. Pistrak: uma pedagogia socialista.

WIRTH,
Ioli Gewehr et. al. Educação Popular e autogestão: alguns elementos para metodologia de incubação.