domingo, 2 de maio de 2010

De Marx ao Ecossocialismo - Michael Lowy

Esta reflexão, de Michael Lowy, tem como ponto de partida o fenômeno da racionalização, já analisada por Max Weber. Apresenta sua argumentação a partir de três aspectos do processo de racionalização que caracteriza as sociedades capitalistas modernas, sugere que esta análise também cabe ao modelo de socialismo adotado pelo Leste Europeu.
O primeiro aspecto esta relacionado com a racionalidade como finalidade – uso de meios racionais para alcançar objetivos que nada têm de racional e, que tem sua expressão institucionalizada aparece na forma ideal-típica da burocracia, ou da racionalidade instrumental – conceito Frankfurtiano para definir as formas mais acentuadas das irracionalidades aplicadas pelas administração racional burocrática, como exemplo cita o genocídio.
Fora dos extremos da racionalização existe a “lógica do funcionamento 'normal' da economia capitalista e das instituições burocráticas” que combinam a “racionalidade parcial com a irracionalidade global”, assinalada por Ernest Mandel.
O segundo ponto é a separação entre o econômico, o social, o político e o cultural o que gera uma “diferenciação e autonomização”. A economia de mercado 'encaixada' na sociedade, como um sistema 'auto-regulado' e que 'escapa de qualquer controle social, moral ou político'. No qual o “espírito de cálculo racional”, ou seja, a tendência da quantificação, aparece como forma determiante. Os aspectos qualitativos, éticos, sociais ou naturais são desconsiderados pelos valores quantitativos que segundo Michael Lowy é a expressão da “dominação total do valor de troca das mercadorias e na monetarização das relações sociais”.
O autor apresenta o ponto de vista de A. Mitzman que segue a “lógica dessa racionalização mutilada” (…) e aponta que qualquer critério que seja incompatível com a perseguição do lucro máximo (meio ambiente, bem estar do trabalhador, futuro humano), aparece como 'freio ao progresso' ou 'qualificado como sentimental', ambos oposto ao racionalismo.
O terceiro aspecto, apontado por Lowy, são os defensores deste “processo racional de perseguição do lucro máximo” que estão representados nas agências internacionais como Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial, que impõem esse processo a todos os países do planeta, causando o efeito de globalização de um modelo de dominação pelo mercado.
Entretanto, como ressalta Michael Lowy, este modelo de civilização capitalista /industrial já recebia criticas dos românticos da segunda metade do século XVIII. Estes protestaram contra a “quantificação, a mecanização e o desencantamento do mundo em nome de valores culturais, sociais, éticos” do pré capitalismo.
Cita a obra Tempos difíceis de Cherles Dickens, na qual descreve uma cidade industrial, degradada, poluída, e tem a natureza totalmente apartada.
As altas chaminés, 'lançando no ar seus turbilhões envenenados', escondiam o céu e o sol (…). Os que tinham 'sede de um pouco de ar puro', que desejavam ver uma paisagem verdejante, árvores, pássaros, a abóbada brilhante do céu azul, eram obrigados a deslocar-se alguns quilômetros por estradas de ferro e passear nos campos.” (Michael Lowy)
Michael Lowy chama atenção para o fato de que a visão romântica no decorrer da história aproximava-se da ideia de “paraíso perdido” e nas comunidades orgânicas pré-modernas assumiu formas, ora passadistas e retrógradas, ora utópicas e revolucionárias”. Para o autor isso não significava uma volta ao passado, mas sim um “desvio do passado em direção ao futuro”. Cita Pierre Leroux, William Morris, Herbert Marcuse, como percussores da ideia de que a “utopia futura permite reencontrar a comunidade perdida, mas sob uma nova forma que integra as conquistas da modernidade: liberdade, igualdade, fraternidade e democracia.”
Para Lowy, existe algumas correntes socialistas e ecológicas que são herdeiras da crítica romântica, pois tem seus objetivos pautados na “superação da racionalidade instrumental, da autonomização da economia, do reino da quantificação, da produção como objetivo em si, da ditadura do dinheiro, da redução do universo social ao cálculo das margens de rentabilidade e à necessidade da acumulação de capital”. Estas correntes, afirma Lowy, reivindicam valores qualitativos, A. Mitznam faz parte desta corrente e faz a mesma observação.
Desta forma temos um conjunto de valores que se opõem a racionalização instrumental do mundo: valor de uso, satisfação das necessidades, salva guarda da natureza/equilíbrio ecológico, harmonia social, solidariedade, respeito pela natureza e seus ciclos de vida. Outro ponto importante nesta concepção é a 'não separação' das esferas da vida, ou seja, a superação da diferenciação e autonomização da economia, a adoção de uma visão sistêmica.
Entretanto, isso não faz com que o 'pensamento verde' e o 'pensamento vermelho' sejam os mesmos, Lowy apresenta a existência de divergências de fundo, que diferenciam “marxistas e ecologistas”. Segundo o autor, os ecologistas acusam Marx e Engels de produtivismo, e Lowy se debruça sobre o tema, e propõe uma discussão sobre o posicionamento de Marx e Engels em relação a lógica capitalista de produção e o desenvolvimento das forças produtivas.
Para Lowy o desenvolvimento das forças produtiva como vetor do progresso parece como uma postura pouco crítica em relação a civilização industrial. Visão que está, segundo Lowy, no “prefácio da Contribuição à Crítica da economia política (1859), obra marcada pelo evolucionismo, filosofia do progresso e pelo cientificismo.
Mas esta não é a única leitura, Lowy demonstra que “Marx e Engels deixaram um certo número de textos que apresentam uma leitura mais crítica das 'forças produtivas”. Em a Ideologia Alemã encontra-se a ideia de que no desenvolvimento das forças produtivas chega um momento em que as forças produtivas “podem ser nefastos no âmbito das relações existentes, o que as transformam em forças destruidoras, deixando de ser produtivas. Mas esta afirmação não, necessariamente, esteja relacionada a destruição da natureza. Lowy, ressalta que nos poucos textos a questão da natureza aparece em relação a agricultura. Aponta que a produção capitalista desenvolve a técnica e a combinação do processo de produção social ao mesmo tempo que esgota as fontes da riqueza: a terra e o trabalhador. Lowy tenta demonstrar que nos escritos de Marx aparece um preocupação com o esgotamento das fontes de energia.
Na análise de Lowy, “Marx e Engels carecem de uma perspectiva ecológica de conjunto”, ressalta que a concepção do desenvolvimento ilimitado das forças produtiva, mesmo quando eliminada as relações injustas de produção atualmente não é aceitável. Conclui essa dicotomia com uma proposta feita por Daniel Bensaïd sobre a obra de Marx, na qual se propõe uma análise das contradição entre “o credo produtivista de alguns textos e a intuição de que o progresso pode ser fonte de destruição irreversível do meio ambiente natural”.
Desta forma, Michael Lowy, entende que a questão ecológica é o grande desafio que o pensamento marxista tem a enfrentar. Portanto, afirma que é preciso uma revisão crítica, por parte dos marxistas, das concepções tradicionais sobre as forças produtivas, da ideologia do progresso e do “paradigma tecnológico da civilização industrial moderna”.
Para mostrar que essa crítica foi, de alguma forma, incorporada por alguns marxistas do século XX apresenta o ponto de vista de alguns autores. Walter Benjamin propõe uma nova técnica com o controle da relação entre a natureza e a humanidade. Entretanto, Michael Lowy, considera que pouco foi modificado neste campo, e na atualidade poucas reflexões surgiram. Uma crítica feita por James O'Connor, ecologista e marxista-polanyista, acrescenta uma segunda contradição entre as forças produtivas e as condições de produção: os trabalhadores, o espaço urbano e a natureza. Segundo Lowy, O'Connor coloca em questão a natureza, ou seja, a destruição do ambiente natural. Outro marxista, E. Bloch, desenvolve sua crítica a parir da obra Ideologia Alemã ao chamar atenção para a necessidade de entendimento da 'fórmula' que produz a transformação das forças produtivas em forças destruidoras em vez do “esquema bem conhecido da contradição entre forças produtivas e relações de produção”.
Lowy acredita que desta forma é possível dar uma nova compreensão ao fundamento do desenvolvimento econômico, tecnológico, científico, ou seja elaborar um conceito de progresso diferenciado”. Mas lembra que, de certa forma, o movimento operário europeu sempre foi muito marcado pela ideologia do progresso e pelo produtivismo, e em muito momentos defenderam a industria automobilística e a energia nuclear.
O autor menciona que a ecologia veio a contribuir com a tomada de consciência sobre os problemas que ameaçam o planeta, e em consequência as formas de produção e consumo capitalista. Ainda aponta que as criticas da ecologia europeia são insuficientes, e apenas conduz a ideia de um “capitalismo limpo”, e apresenta reformas para controlar excessos.
O interessante é que Michael Lowy, faz um caminho que aponta que esta pequena abordagem da questão ambiental serve para subsidiar a ideia que o capitalismo (limpo) e socialismo, são variantes de uma mesma vertente. Ou seja, o argumento que proclama o fim da ideologia, com tudo isso a 'nova onda” seria “os verdes”, o “novo paradigma que forneceria uma resposta a todos os problemas econômico e sociais”.
Sendo assim o ecossocialismo se desenvolveu no final do século XIX e início do XX e vários autores buscaram uma crítica ao marxismo das forças produtivas. Essa corrente de pensadores está presente nos partidos verde, no movimento verde-vermelho, alguns setores das esquerda clássica, o que demostra que não existe homogeneidade. Entretanto, de alguma forma, “representa na esfera ecológica a tendência mais avançada e mais sensível aos interesses dos trabalhadores e dos povos do Sul”. Esta corrente percebe a impossibilidade de um “desenvolvimento sustentado” nos moldes da economia capitalista de mercado.
Para Lowy existem dois argumentos que baseia o pensamento ecossocialista:
1- o modo de produção e de consumo atual dos países capitalistas mais avançados é impulsionador da crise ecológica, um sistema fundado na manutenção e agravamento da desigualdade gigante entre o Norte e o Sul. Existe a intensificação crescente dos problemas ecológicos e de novas áreas, pela exportação da poluição dos países do Norte.
2- a continuação do progresso e a expansão da civilização baseada na economia de mercado ameça a sobrevivência da espécie humana. Por tanto, esse pensamento baseado no cálculo das perdas e lucros é contraditória a uma racionalidade que leva em consideração questões qualitativas.
Para resolver a dicotomia verde-vermelho propõe um ajuste, que vai contra o fetichismo da mercadoria e a autonomização da economia. Coloca que o desafio do futuro, para o pensamento ecossocialista é a “aplicação de uma 'economia moral' na forma definida por E. P. Thompson, que propunha uma “política econômica baseada em critérios não-monetários e extra -econômicos, a recolocação da economia nos âmbitos ecológico, social e político.
Michael Lowy considera que esta recolocação só é possível com a reorientação tecnológica que substitua as atuais fontes de energia, por fontes não poluentes e renováveis. propõe o controle dos meios de produção e principalmente das decisões de investimento e desenvolvimento tecnológico.
Desta forma, os ecossocialistas, apontam para a necessidade de uma reorganização do modo de produção e consumo, procurando satisfazer as reais necessidades da população e a preservação do meio ambiente. Lowy define isto como uma “ economia de transição para o socialismo”. O que esperam os ecossocialistas é uma transição que conduza a “um modo de vida alternativo, a uma nova civilização, para além do reino do dinheiro, dos hábitos de consumo.
Por fim, Lowy, questiona se tudo isso não passa de uma utopia, mas ressalta que a utopia é necessária à mudança social, quando esta está baseada nas “contradições da realidade e nos movimentos sociais e reais”. O ecossocialismo propõe uma aliança entre os pensamento marxista e ecológico.
Na Europa, segundo Lowy, esta associação de correntes de penamento poderia se organizar como espaço estratégico, desde que alguns pontos que as separam sejam derrubados. A ecologia precisa deixar de lado o naturalismo anti-humanista e a pretensão de ocupar o lugar da critica a economia política. Por outro lado, o marxismo, assuma a crítica ao produtivismo percebendo que a problemática é a transformação das forças potencialmente produtivas em forças efetivamente destruidoras, em vez da dicotomia forças produtivas versus relações de produção.
Este pensamento revolucionário de um “socialismo verde” possibilita ecologizar as relações e propor reformas. O que dá subsídio ao pensamento ecossocialista é a visão sistêmica da sociedade que coloca todos os aspectos – econômico, social, ecológico, cultural- no mesmo nível de importância e interferência.
Portanto a existência de uma convergência entre estas duas correntes vai na direção de uma “nova civilização”, respeitadora da natureza e mais humana. Para isso Lowy, conclama todos os movimentos sociais que lutam pela emancipação se associem e adotem conceitos ecológicos.
A forma que a questão vem sendo colocada é possível afirmar que a visão romântica ainda prevalesse como a crítica a racionalidade instrumental do sistema capitalista.

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