sexta-feira, 17 de abril de 2009

Política Pública de Economia Solidária na Argentina e na Venezuela.

Apresentarei, a partir da bibliografia citada, uma visão sobre a política praticada para promoção do cooperativismo na Argentina e na Venezuela.

Novaes elabora impressões sobre a Venezuela que demostram a busca de uma nova política, a criação de um novo Estado, mais democrático e justo. Argumenta que a Venezuela sempre esteve no sistema de dependência dos centros econômicos (Europa-EUA), e que no momento atual busca alternativas para o desenvolvimento através de um governo que almeja transformações sociais.

Na Argentina foi implementado o “Plano de Desenvolvimento Local e Economia Social (“Manos a la obra”), o carro-chefe de Kirchner para a PPGTR” (Novaes et.al.), que prevê o fomento ao setor da economia social para inclusão da população em vulnerabilidade social, principalmente os beneficiários do 'jefes e jefas de hoga'. Inclui apoio técnico e financeiro a empreendimentos produtivos, fortalecimento de organizações públicas e privadas, espaços e redes associativas.

Novaes aponta que na Venezuela existe uma conexão entre discurso e prática da política pública de apoio ao cooperativismo como possibilidade da transformação social. Entretanto considera que falta um projeto, um direcionamento e um referencial teórico. A politica pública é executada a partir de diversas correntes de “pensamento de esquerda” que procuram convergir para o mesmo ponto. A filosofia política cooperativista pode fazer parte da revolução democrático popular que acredita que o cooperativismo é um dos pilares do socialismo do século XXI. O outro pilar é a educação. Ao criar um sistema paralelo Chávez desenvolve um currículo que atende às necessidades do desenvolvimento integral do país, no qual o projeto formativo atende a um determinado projeto de país (sociedade). Mobiliza elementos de formação, organização sócio-politica e produtiva que servem de base para uma nova organização sócio-econômica. A criação de cooperativas aparece como uma ferramenta que possibilita uma melhor qualidade de vida e o marco do socialismo do século XXI que vem se desenvolvendo.

Os envolvidos na política de promoção do cooperativismo na Argentina “demonstram uma não opção por uma outra sociedade, baseada no trabalho com sentido social, prazeroso, desalienante, reforçando ainda mais a nossa hipótese de contenção social” (Novaes et.al. p.10). Ainda buscam as tradicionais relações de trabalho - patrão-empregado. A política de apoio ao cooperativismo é uma estratégia para combater o desemprego, não é tema principal no cenário nacional tão pouco prioridade na agenda do governo. As ações do governo argentino são “pontuais, desconexas e insuficientes em âmbito nacional, o que acaba conferindo à política um forte caráter assistencial”. Novaes et. al. apontam que são poucas as “tentativas de ruptura da feudalização do Estado – característica genética do Estado capitalista, onde cada Ministério executa uma parte da ação, não planejando o todo”.

Os autores apresenta uma visão histórica dos dois países, por considerarem importante o conhecimento do passado, entender a formação do Estado, procurando evidenciar a ordenação das forças políticas.

A Venezuela passou por processos populares para a conquista da independência - guerra civil de 1911 a 1821. Uma economia pautada na produção agro exportadoras e posteriormente petrolífera. O acordo entre partidos conservadores, o Pacto del Punto Fijo – mantém um Estado democrático entre alguns poucos que detinham o poder.

Novaes aponta a crise do petróleo na década de 1980 como um motivador do processo neoliberal - abertura da economia, privatização de empresas, desregulamentação da economia, na Venezuela. O petróleo teve papel importante como regulador da economia, era tanta a fartura que sobrava para distribuir aos pobres de forma populista. Esta situação mantém-se até a década de 1990 quando deixa de funcionar e a população venezuelana 'mergulha na miséria'. Em 1995 a pobreza extrema atingia 35% da população.

Na Argentina é depois de 1970 que inicia-se um processo de desindustrialização, empobrecimento e vulnerabilidade. Em 1991 com o processo neoliberal em andamento é adotada a paridade cambial, políticas de abertura comercial, privatização e desnacionalização da economia, para não falar nas reformas trabalhista, previdenciária, tributária e na liberalização financeira (Novaes et.al.). Um processo de concentração e centralização de capital (Azpiazu e Basualdo:2001) que redesenha o cenário do poder econômico no país, a maioria das grandes empresas estão nas mão de capital estrangeiro.

Para Novaes et. al., a implantação de um ajuste estrutural e recessão provocaram uma 'forte fragmentação social', com perdas de direitos sociais, reformas trabalhistas. Com isso o aumento do desemprego e das atividades informais. Mas nem tudo foi perda, “a classe média argentina e outros setores da elite aprofundaram a ostentação de um padrão de vida baseado em viagens ao exterior e importação maciça de bens de consumo”(Novaes et. al. p.4).

Os autores explicitam que em 2002 mais da metade (54,3%) da população da Argentina estavam abaixo da linha da pobreza e os maiores índices de desemprego.

Também apresentam o contexto no qual ocorre as eleições nos países abordados. Na Venezuela Chávez assume o poder e propõe uma nova organização social que procura nas bases populares um apoio para aplicar as mudanças. Na Argentina Néstor Kirchner foi eleito com apenas 22% dos votos, após a desistência de Menem. Observam a ausência de uma ruptura política e ocorre a manutenção dos mesmos grupos de poder.

Novaes apresenta as ações do governo venezuelano: as Missões são planos sociais que buscam atingir a classe popular e também uma parcela da classe média. Segundo Rattner (apud Novaes) as Missões são orientadas para a mobilização e conscientização das comunidades através de conselhos, consultas populares, orçamento participativo, etc. (talvez seja este o único instrumento de planejamento para as transformações).

As missões estão dentro do projeto de desenvolvimento social endógeno, algumas atuam com medicina comunitária e contam com médicos cubanos, devido a recusa dos médico venezuelanos em participar do projeto. Também existem projetos de construção civil, com o desenvolvimento de novas tecnologias; cooperativas de confecção de vestuário e calçados. Como estratégia foi criado um mercado com preços baixos para acesso popular. Para garantir a sobrevivência destas cooperativas o governo através das empresas estatais (PDVSA) e serviços públicos (escolas/creches) adquirem os produtos destas cooperativas e hortas.

O autor procura mostrar que foram diversas as Missões implantadas desde missões que proporcionam acesso a alimentação sadia, com produtos vindo de hortas comunitárias até o comércio de roupas e sapatos produzidos pelas cooperativas. Ressalta que existe um boicote da elite, inclusive paralisaram alguns setores produtivos e outros mantiveram com baixa produtividade. Para combater o boicote, Novaes aponta a criação do Megamercal que vende de tudo e também algumas iniciativas de expropriação das fábricas.

Outras Missões estão ligadas a formação de cooperativas e também de espaços educativos. No primeiro caso, é uma proposta de inserção em massa da população em processos de capacitação para o trabalho, com a inserção em algumas atividades produtivas. Um mega projeto que envolve grandes números. Dialogam diversos elementos de formação, organização sócio-politica e produtiva que servem de base para uma nova organização sócio-econômica. A criação de cooperativas aparece como uma ferramenta que possibilita uma melhor qualidade de vida e o marco do socialismo do século XXI que vem se desenvolvendo.

Ainda existem as missões que tem uma atuação mais ampla, que vão além da educação escolar. Houve distribuição de livros em praças, restauro de edifícios, acesso a teatro e cinema para a população comum. A escolarização faz parte dos planos, incluindo a alfabetização até a universidade. Este é um ponto importante na missão educacional. Chávez criou um sistema universitário paralelo para a massificação do ensino. Novaes ressalta, que existe pouco investimento em pesquisa, mas a Universidade Bolivariana da Venezuela é um incentivo à formação de profissionais com compromisso público e também por formar um 'novo homem com traços humanísticos, comprometidos e solidário'. São 10 áreas de formação comprometidas com a implementação do projeto Bolivariano.

Novaes et. al. apresenta a política pública de promoção ao cooperativismo na Argentina é desenvolvida pelo Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), Ministério do Trabalho, Emprego e Seguridade Social (MTEySS), o Instituto Nacional de Associativismo e Economia Social (INAES), o Instituto Nacional de Tecnologia Industrial (INTI), dentre outros. O governo argentino desenvolveu o “plano manos a la obra e a política de promoção do cooperativismo”. O INAES e INTI são os órgãos responsáveis em realizar esta política através de atendimento às cooperativa e as mutuais. Assessoria para formalização jurídica e no acesso a financiamento, para que sejam autônomas e competitivas. O Ministério do Desenvolvimento Social “tem o propósito de formular políticas e ações a fim de fomentar a consolidação de uma Economia Social argentina, baseada na cooperação, na ajuda mútua e na promoção social” (Novaes et. al. 12).

O sistema cooperativista que foi implantado na Argentina está ancorado no financiamento do Estado, e sem “as cooperativas por eles criadas, imediatamente as mesmas cairiam”. Os investimentos em “adequação Sócio-Técnica nas cooperativas demandariam um tempo muito maior do que o estipulado pelos órgãos de governo”, o que acaba não acontecendo. A política de apoio ao cooperativismo se restringe a “assessoria burocrática às cooperativas populares”. O INTI fornece “apoio tecnológico (orgware, hardware e software) às Fábricas Recuperadas e às Cooperativas, por meio de projetos de extensão”.Os autores explicitam que essa assessoria do INTI é uma demanda forçada, pois não parte do MDS. Entretanto é uma tentativa de inserir o enfoque tecnológico numa pequena parcela das PGTR.

Por fim fazem uma crítica à desconexão da política de geração de trabalho e renda com a política de ciência e tecnologia. Os autores indicam uma falta de entendimento entre planejadores e executores e sobre a necessidade de uma “outra base cognitiva tecnológica para as cooperativas”, diferente da que serve ao sistema atual, da acumulação de capital e não da autogestão. Na argentina, o “cooperativismo está pautada na idéia de contenção social ao desemprego em massa”, o governo mantém a visão tradicional das relações de trabalho, procurando recompor a taxa de emprego formal.


Considerações:

Os dois textos apresentam um contexto amplo, um panorama sócio-político situando o leitor no processo histórico. A leitura permite perceber que os contexto no qual a proposta cooperativista vem sendo implantada é muito parecida nos dois países. Dominação do capital financeiro, diversas crises e desmonte do Estado, fragilização e vulnerabilidade dos setores populares. A invasão neoliberal ocorre progressivamente pelos países latinos americanos. Talvez a Venezuela possa ser um dos primeiros projetos neoliberais, principalmente pela dependência externa para abastecimento interno, que com a crise da década de 1980 se mostrou mais acessível. A Argentina com o processo de desindustrialização também se torna mais dependente do exterior e com a dolarização perde de vez o capital nacional.

Entretanto as políticas implantadas tem uma diferença de grau. Na Venezuela pretende-se implantar uma novo modelo de Estado, no qual o cooperativismo é a base social e coletiva da organização do Estado, e na Argentina o que se busca são estratégias para retomar o 'estado de pleno emprego', sem que ocorra um rompimento com a lógica do trabalho assalariado. É a manutenção do Estado através da adequação as exigências do mercado neoliberal.

Os Movimentos Sociais na Venezuela são apresentados pelo autor com certa fragilidade, esse fato pode ser devido às mudanças estarem sendo feitas de cima para baixo, e somente agora existir espaço para diálogo com as forças populares e espaço para elas se organizarem.

Faz comparações e aproximações com situações brasileiras em relação a mentalidade médica, no processo de desenvolvimento econômico, na elite política conservadora e democrática e na reestruturação neoliberal. Também em relação a SENAES e o modelo de sua política.



Bibliografia

Noaves, Henrique T. Os miseráveis fazem história: um panorama das Missões Educacionais e de geração de trabalho e renda na Venezuela.

Novaes, Henrique T.; Serafin, Milen; Dagnino,Renato. A filosofia da Política Pública para promoção do cooperativismo na Argentina (2003-2007).

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