segunda-feira, 18 de maio de 2009

Impressões de leitura do texto " Dimensões da precarização estrutural do trabalho" - Ricardo Antunes

Ricardo Antunes faz uma leitura muito atual sobre o 'mundo do trabalho'. Os processos de mudanças, as forças envolvidas e a nova configuração.

Para iniciar a reflexão aborda o surgimento de uma nova forma de organização do trabalho, mais flexibilizada (toyotismo), na qual os custos da produção são externalizados. Para isso demostra como o modelo de produção fordista/taylorista1 sofreu um grande abalo com a utilização de maquinários que melhoram e aumentam a produção. O autor reconhece que ocorreu uma diminuição dos trabalhadores assalariados, ligados diretamente com o sistema fordista/taylorista.

A reestruturação produtiva do capital diminuiu a ofertas de vagas para assalariados. Ocorreu a diminuição da necessidade de trabalho humano, o trabalho passa a ser realizado por máquinas. Esta é a contradição atual, muita força viva de trabalho e muitas tecnologias eletro-mecânica que diminuem a necessidade de trabalho humano. Ocorre a elevação da produtividade com diminuição de trabalhadores e aumento de jornada. A indústria de confecção é uma grande expressão desta reestruturação produtiva2. É enorme a quantidade de trabalhadoras residenciais que realizam atividades produtivas para este setor, como também as 'oficinas de costura' que oferecem trabalho remunerado por produção, sem registro, e com grandes jornadas sazonais.

As condições de trabalho precário no mundo da indústria de confecções revela as relações de trabalho na atualidade. Márcia Leite expõem o acelerado processo de terceirização do trabalho e também do trabalho realizado 'livremente' na residência. Situação que faz com que o trabalhador assuma todo os custos da produção (luz, local, água). O controle dos meios de produção (equipamentos – máquinas) muitas vezes são dos contratadores que emprestam (cedidas) para a realização do trabalho.

A nova lógica do capital, lembra Antunes, inclui a transferência dos locais/plantas de produção, sempre procurando os locais que oferecem menores custos. Existe um aumento das empresas de terceirização, locadoras de força de trabalho de perfil temporário sem direitos, ou com eles diminuídos, que absorve parte da massa desempregada.

Na nova configuração do trabalho existe uma diminuição da necessidade de trabalho vivo. Parte dos trabalhadores são colocado a disposição (desemprego) e acabam migrando para outras atividades (formais ou não). Ou seja, o excedente é desviado para outras áreas que se ampliam, como os serviços de segurança, portaria, limpeza, entregas, serviços gerais, que passam a ser oferecidos por empresas especializadas, cresce o mundo dos serviços. Também explode as iniciativas 'caseiras' para gerar trabalho e renda, com o 'empreendedorismo' pessoal, no qual o trabalhador passa a exercer uma atividade profissional por conta própria.

Agora o trabalho assume “formas mais desregulamentadas”, diminuindo o trabalho estável. Os trabalhadores que não são absorvidos por esta nova modalidade (terceirização) passam a viver de 'bicos', pequenos serviços, coleta de material reciclado, abertura de pequenos comércios (vendinha – quitanda - bazar) e atividades ilícitas.

Antunes argumenta que para o plano neoliberal de desregulamentação do trabalho acontecer é necessário o desmonte da legislação social protetora do trabalho. No Brasil as leis trabalhistas passam por uma 'flexibilização' para garantir a empregabilidade. Os trabalhadores perdem direitos e o sistema de proteção ao trabalhador recebe uma pressão para sua diminuição. Novas categorias de trabalhadores foram criadas, com pouco ou nenhum vínculo com o local de trabalho, com colegas de profissão e com a própria atividade, que a todo instante pode ser substituída por outra mais rentável, ou deixar de existir por desemprego (intensificação do processo de alienação).

O autor não concorda com a ideia de 'fim do trabalho', pelo contrário, fala sobre a “polissemia do trabalho, uma nova morfologia”. O trabalho apresenta um desenho multifacetado resultado das fortes mutuações que abalaram o mundo produtivo do capital. Antunes, ressalta que dentro desta polissemia existe uma descaracterização da ideia de cooperativismo, tornando-se forma de precarização do trabalho com a diminuição dos direitos. Outra expressão dessa polissemia e forma de ocultar as relações de trabalho assalariado é o empreendedorismo (consultores – prestadores de serviço, autônomos) que permite diversas formas de “flexibilização salarial, de horário, funcional ou organizativa”. O autor defende que isso é uma fórmula para extração do “sobretrabalho”, destruindo a conquista dos movimentos populares de trabalhadores.

Antunes procura definir quem é a atual classe trabalhadora, e a define como “a totalidade dos assalariados, dos que vivem da venda da sua força de trabalho, os despossuídos dos meios de produção”. Configura-se a partir da classe do operariado industrial fordista/taylorista e das novas formas de trabalho que se ampliam, que assumem a lógica da flexibilidade – 'toyotizada', se materializam nas atividades ligadas principalmente ao mundo dos serviços3, através da terceirização, subcontratação e trabalhos temporários.

A informalidade no trabalho é o novo desenho da classe trabalhadora, esta fica desprovida de direitos, ocorre um rebaixamento salarial. Para o autor a classe trabalhadora brasileira assume esta nova forma de ser – multifacetada e fragmentada.

Este é um ponto interessante para observação – uma classe trabalhadora multifacetada e fragmentada. Ou seja, a nova classe trabalhadora é formada por milhares de pessoas que exercem atividades, outras, que não a venda da força de trabalho para o capitalista? Ou só existe classe trabalhadora se houver venda da mão de obra para o capitalista?

Portanto, posso acreditar que existam muitas situações de trabalho na qual o trabalhador atue sozinho, ou em pequenos grupos de forma independente deste sistema de assalariamento4. Os marceneiros, os tapeceiros, mecânicos, costureiras sob medida, quituteiras, que executam seus trabalhos em pequenas oficinas e atuam com um ajudante ou até mesmo sozinhos5. Não seria justo com estas pessoas, não considerá-las trabalhadoras por não estarem numa relação de assalariamento. Elas também não são empreendedoras, nem micro empresários. São pessoas que procuraram formas de trabalho e renda, outra que não o sistema industrial e comercial (assalariamento). Os motivos que levam a constituição deste grupo de trabalhadores são diversos, talvez por falta de 'trabalho formal', por não conseguir incluir-se no sistema de emprego. Ou mesmo por acreditar que o 'mundo formal do trabalho' é humilhante e não querer se expor a esta relação.

Estas ocupações laboriosas que citei são formas de trabalho pouco ou não alienadas. Os trabalhadores destas atividades podem ditar o ritmo do trabalho, planejam suas atividade e a realizam por completo. Desta forma os trabalhadores têm o controle do início ao fim.

Mesmo com pequena expressão essa outra forma de trabalho sempre existiu, no mundo e no Brasil. Nunca existiu uma única classe trabalhadora totalmente assalariada. Reconheço que este modelo de trabalho (emprego) é predominante, emprega a massa. Entretanto muito trabalhadores mantem-se possuidores dos seus meios de produção e determinam seu ritmo de trabalho6.

O problema que ocorre neste caso, é a já citada fragmentação, a falta de consciência de classe dos trabalhadores, de acesso aos direitos trabalhistas, etc. Entretanto, por todo momento que se desenvolveu um sistema de trabalho fordista/taylorista co-existiu esta forma de trabalho, muito próxima das corporações de ofícios, formas de trabalho individual e familiar. Parece uma resistência ao sistema capitalista que perpetua a idéia de emprego. Trabalhador tem emprego e não trabalho, ele depende de seu empregador não de seu trabalho... Perde sua autonomia, seus meios de produção, fica a mercê do jogo do capital.

Na sociedade ainda é muito forte a defesa do trabalho-emprego, no qual o trabalhador tem sempre uma relação de dependência do capitalista, que gentilmente o emprega. Principalmente no Brasil que temos como herança a experiência da escravidão que gera nos homens e mulheres a resignação e submissão. Aceitar ordens, seguir mando, obedecer é uma memória 'genética', impregnada no corpo social. E a falta do emprego (feitor) causa um certo desespero. O que fazer se não temos emprego? Libertai-nos?!

1Este modelo de produção permitiu o grande desenvolvimento industrial e por consequência da classe trabalhadora.

2Sobre o tema: LEITE, Márcia de Paula. Tecendo a precarização: gênero, trabalho e emprego na indústria de confecção em São Paulo. 2004 . Pesquisa apresentada no XXVIII encontro Anual da ANPOCS.

3O autor cita diversas atividades – telemarketing, motoboy,digitadores, porteiros e faxineiros, ale dos assalariados dos hipermercados (grandes redes de varejo). Também posso citar que os serviços de oficinas de costura e costura à domicílio se enquadram nesta análise – ver LEITE, M.

4Venda da força de trabalho para o capitalista.

5Esta atividades ocorrem nos bairros, são feitas diretamente ao 'consumidor'. Muitas são informais, pequenas e para subsistência, mesmo com a existência de ajudantes.

6Pode ser que suas condições de vida material não seja elevada, mas o trabalhador assalariado também vivem em péssimas condições.